Fonte: www.conjur.com.br
13 outubro 2013
Surrealismo jurídico
Juiz decide que homem vivo permanecerá morto para sempre
O cidadão de Arcardia Donald Miller, legalmente morto desde 1994, ficou em pé diante do juiz Allan Davis para ouvir a sentença: não tem mais direito à vida. Aos olhos da lei, Miller, 61 anos, permanecerá morto enquanto viver. Ele perdeu o prazo para requerer a revogação de sua morte.
A lei é clara, explicou o juiz de um tribunal em Fostória, onde o morto vive agora. O prazo para requerer a reversão de uma decisão de morte é de três anos. Ele demorou muito mais que isso para fazê-lo. Por isso, não pode recuperar seu status de ente vivo agora.
O juiz Allan Davis não teve qualquer dúvida sobre isso. Afinal, ele mesmo assinou a decisão que declarou Miller morto, em 1994, oito anos depois que ele havia desaparecido, observados os prazos regulamentares. Não se pode peticionar nada fora do prazo.
Miller não pode tirar carteira de motorista, que também serve como identidade. Nem pode recuperar seu registro no Social Security, a previdência social dos EUA. Órgãos públicos não emitem documentos para mortos, depois que a Certidão de Óbito é expedida.
Também não pode ter emprego fixo, não pode abrir conta em banco, porque não tem documentos. Não tem direito aos privilégios do mundo dos vivos. E, a propósito, vive ilegalmente em Fostória, porque sua certidão de nascimento, que atesta sua cidadania americana, perdeu a validade há anos.
Em contrapartida, ele escapa de certos problemas dos vivos. Nenhum juiz pode, por exemplo, mandar prender Miller por sua dívida estimada em US$ 26 mil dólares, em pensão alimentícia não paga à ex-mulher e aos filhos. Mortos não são condenados à prisão.
De acordo com o The Courier e a agência UPI, Miller contou, com sua voz suave, nada tenebrosa, portanto, o que aconteceu. A "culpa" foi da "cachaça" americana. Por causa do alcoolismo, perdeu a família, o emprego, os amigos e o que mais tinha a perder. Saiu "andando pelo mundo" sem destino, sem eira nem beira.
Miller parou de beber por um motivo que os vivos conhecem muito bem: falta de dinheiro. Fez todo o tipo de "biscate" para sobreviver. Em 2005, quando estava em Atlanta, na Geórgia, as coisas melhoraram. Com algum dinheiro no bolso, voltou para sua terra. Passou primeiro em Arcadia, depois foi para Fostória. Seus pais lhe deram a notícia: você está legalmente morto, desde 1994.
O acardiano tentou engajar sua ex-mulher na luta por sua vida, mas não conseguiu. Ao contrário, Robin Miller lutou pela validade da Certidão de Óbito. Ela teria, por exemplo, de devolver todos os "benefícios" que recebeu do Social Security desde a "morte" do ex-marido, se sua vida fosse restaurada pela Justiça. Mas ela manifestou a pretensão de receber a pensão alimentícia que ele ficou devendo. Isso não vai acontecer: mortos não pagam.
"Essa situação é estranha, muito estranha", reconheceu o juiz ao anunciar sua decisão. Ele deixou claro que lei é lei, prazo é prazo. Têm de ser obedecidos, não importa o quê. Mas a decisão pode inspirar a comunidade jurídica americana, bem como a parlamentar, a discutir se o bom senso não faz parte da origem das leis, tal como os usos e costumes. E, portanto, deva ser respeitado. Antes que se torne um morto vivo.
Alguns advogados acreditam que o primeiro julgamento, o da decisão de que Miller estava legalmente morto, deveria ser anulado. Afinal, seu direito ao devido processo foi violado: ele não foi suficientemente notificado e intimado por um oficial de justiça de que uma ação judicial fora movida contra ele.
"As notícias de minha morte foram grandemente exageradas" – Mark Twain.
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
A sentença do juiz além de tirar a identidade de Miller, o condenou a viver aquém da sociedade, sobre o argumento que prescrevera o prazo para requerer a reversão da decisão de sua morte. Podemos visualizar neste caso a subordinação da realidade em relação ao direito, ao saber jurídico, ao que está determinado na lei. O que me causa espanto é pensar que, os anseios que permeiam as normas e a criação destas, surgem a partir de questionamentos e influências cotidianas do mundo em que vivemos. Deste modo, é razoável se pensar que, fatores externos ao processo devem ser sempre considerados, principalmente, se estes estiverem diante de nossos olhos. O apego extremo as regras, a adequação do fato à moldura Kelseniana da norma, transforma o que deveria ser um direito vivo, representativo, em uma estrutura burocrática e falha, fugindo deste modo, de sua verdadeira função; a de buscar solucionar os conflitos daqueles que necessitam.
ResponderExcluirO caso Miller é, ao menos, curioso. É um exemplo de que o positivismo não soluciona todas as questões levadas à análise do judiciário. Percebe-se que, no caso em comento, o juiz aplicou a lei sem , no entanto, preocupar-se com as consequências advindas de sua decisão. O sr. Miller , a partir da decretação de seu óbito, deixou de existir para o Estado, não mais podendo exercer seus direitos civis, políticos, sociais, etc. Ou seja, o indivíduo, ainda que vivo biologicamente , foi privado de seus direitos fundamentais ante a decretação de sua morte. Visível é, portanto, que a aplicação da lei sem analisar o caso concreto, acabou acarretando consequências mais gravosas ao sujeito retirando-lhe, inclusive, a condição de sujeito. A solução mais adequada ao caso, seria considerar nula a decisão que decretou a morte do Sr. Miller, ante a comprovação incontestável de que o mesmo está vivo. Dessa forma, o indivíduo não seria privado de exercer seus direitos fundamentais aplicando-se,por consequência, o princípio da dignidade humana. Se assim não fosse, o Estado estaria descumprindo o dever de proteção e cautela que possui para com o indivíduo. A aplicação da lei, sem ser levado em conta o caso concreto, teve por consequência a aplicação de sanção por demais gravosa e desproporcional, no caso do Sr. Miller.
ResponderExcluirA decisão do Juiz Allan Davis desafia o direito à vida do cidadão da Arcadia Donald Miller ao considerar a supremacia da lei. Nesse caso, deve-se considerar e avaliar cuidadosamente a situação real e as consequências que essa vem trazendo aos envolvidos nessa história. A lei norte-americana prevê o prazo de 3 anos para a reversão de uma decisão de morte, porém o indivíduo reaparece depois de 8 anos e mesmo biologicamente vivo, continua sendo considerado morto. É uma situação estranha, tendo de um lado, o indivíduo vivo que tenta provar que não está morto e luta pelos seus direitos e do outro lado, esse cidadão que é considerado morto comete crimes e problemas de um ser humano vivo. Para tal julgamento seria necessário analisar esses dois pontos e solucionar os conflitos causados por toda essa situação e seria mais cabível anular a primeira decisão que considerava que o cidadão estava morto e a partir dessa anulação, os demais problemas poderiam ser resolvidos e a dignidade da pessoa humana seria respeitada.
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