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terça-feira, 4 de junho de 2013

Um ano após decisão do STF, aborto de anencéfalos esbarra em entraves


27/05/2013 05h18 - Atualizado em 27/05/2013 10h44

Um ano após decisão do STF, aborto de anencéfalos esbarra em entraves

Médicos citam avanços, mas ainda há desinformação sobre o tema; religiosos criticam duramente a medida.

Da BBC
Passado um ano desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o aborto em casos de gravidez de fetos anencéfalos (sem cérebro), pacientes brasileiras estão tendo acesso mais fácil ao procedimento, mas ainda há importantes deficiências a serem resolvidas, dizem médicos consultados pela BBC Brasil.

A decisão do STF – tomada em abril de 2012 e detalhada no mês seguinte em resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) – tem forte oposição de grupos religiosos, que a veem como um retrocesso das garantias do direito à vida.

Gravidez  (Foto: PA)
ecisão do STF permite desde 2012 que fetos sem cérebro 
sejam abortados pela mãe (Foto: PA)
Antes, mulheres grávidas de fetos sem cérebro tinham de pedir autorização à Justiça para interromper a gestação, algo que podia ou não ser concedido pelo juiz. 

 "Em São Paulo, isso poderia levar de uma semana a dois ou três meses", afirma o ginecologista Cristião Rosas, da Federação Brasileira de Ginecologiae Obstetrícia (Febrasgo). Atualmente, esse período foi reduzido para dias, caso a mulher decida pelo procedimento.
 
"Mas a rapidez não vem em primeiro lugar", complementa o ginecologista Thomaz Gollop, coordenador de um grupo de estudos sobre o aborto. "A paciente deve receber orientação psicológica e ter tempo de amadurecer (sua decisão)."

Informações

A gravidez de anencéfalos é considerada de alto risco porque o feto fica em posição anormal e há o perigo de acúmulo de líquido no útero, descolamento da placenta e hemorragia. E não há perspectivas de longa sobrevivência para o feto, que em muitos casos morre durante a gestação.

Ultrassom aponta feto sem cérebro (Foto: AFP)
Ultrassom aponta se feto tem cérebro (Foto: AFP)
Os médicos aguardam a publicação de uma norma técnica do Ministério da Saúde, com diretrizes claras sobre como os profissionais devem lidar com o tema. A norma está em fase final, mas não há data para sua publicação.

Enquanto isso, especialistas dizem que há desinformação, tanto entre pacientes quanto entre as próprias equipes de saúde; que os serviços que fazem aborto (entre 50 e 60) são insuficientes; e que muitos profissionais alegam razões de foro íntimo para não informar as gestantes de seu direito ou mesmo para negar o procedimento.

"Ainda há (entre alguns médicos) a falsa ideia de que a interrupção é mais arriscada do que deixar a gravidez evoluir. E é ao contrário", explica Cristião Rosas. "Daí o médico posterga tanto que, quando a mulher chega ao hospital (para interromper a gestação), já está em situação de risco."

'Chorei tanto'

A dona de casa pernambucana Elisa (nome fictício), de 23 anos, descobriu estar grávida de um bebê anencéfalo no mês passado, no quinto mês de gestação.

"Era uma menina, uma filha que eu desejei muito", diz Elisa. "Chorei tanto. Fiz de novo o ultrassom, e o médico falou que eu poderia interromper a gravidez. Decidi interromper."

Mas o hospital procurado por Elisa, a 680 km de Recife, é dirigido por religiosos católicos, que negaram o procedimento. Ela então recorreu a uma prima, enfermeira em um hospital em Recife, onde a jovem fez a antecipação terapêutica do parto.

O Ministério da Saúde afirma que, diante da decisão do STF e sendo o Brasil um Estado laico, hospitais que se negarem a realizar procedimentos legais podem ser acionados na Justiça.

Já a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defende o direito de médicos e entidades exercerem objeções de consciência.

Disparidades

Polêmicas à parte, para Thomaz Gollop, o direito ao aborto no caso de anencefalia está consolidado "por 21 anos de (emissão de) alvarás judiciários (autorizando a prática), algo sacramentado pela decisão do Supremo". Mas a ausência de uma norma técnica abre espaço para disparidades.

"O procedimento é rápido nos Estados onde existe o serviço legal (de aborto)", diz. "Não acredito que as mulheres estejam desassistidas. Mas não temos nenhuma mensuração."

Não há dados oficiais sobre os abortos legais de anencéfalos no Brasil nem sobre o impacto da decisão do STF.

Mas o médico Jefferson Drezzet, do hospital Pérola Byington – referência em saúde da mulher em São Paulo –, diz que a decisão do STF não fez aumentar o número de procedimentos.

"A anencefalia é uma doença cuja incidência obedece a uma constante. É diferente do aborto de gestações indesejadas. Portanto, não houve aumento de casos", diz.

"O que mudou é que as mulheres diagnosticadas não precisam passar pela torturante tarefa de ir a uma vara criminal por um pedido que podia ou não ser concedido."

Luto

A isso – e independentemente se a mulher decida fazer ou não o aborto – se soma um dolorido processo de luto, explica Drezzet.

"A mulher sente culpa, derrota. É uma situação emocionalmente difícil."

Elisa diz à BBC Brasil que ainda tem crises de choro quando pensa na filha que não teve.

"Todas as vezes que mexo nas coisinhas que comprei para ela, eu lembro e choro."

Dados globais indicam que a incidência de anencefalia é de em média 1 em cada 10 mil gestações, mas – por razões não totalmente compreendidas – o Brasil é um dos países com o maior número de casos. A prevenção é feita com a ingestão de ácido fólico antes da gestação, o que reduz consideravelmente os riscos, diz Drezzet.

Os médicos consultados afirmam que, em meio à perda, é importante que a mulher não se sinta culpada ou criminosa.

"Ela tem que saber que tem liberdade para decidir", diz Gollop.

Para Débora Diniz, pesquisadora da Anis (grupo de bioética que propôs a ação no STF), a decisão acabou com a instabilidade jurídica antes enfrentada pelas mulheres. Mas o tema está longe de consensos.

"Nos preocupa o modo como o Supremo decidiu pela não-vida do anencéfalo", diz à BBC Brasil Lenise Garcia, da comissão de bioética da CNBB. "Sua perspectiva de vida é pequena, mas ele só pode morrer porque está vivo. E a vida humana precisa ser resguardada até a morte."

Garcia relata histórias de mulheres que optaram por dar continuidade à gravidez de anencéfalos, os fetos sobreviveram mais que o esperado e, até sua morte, "existiu uma interação de muito amor" entre mãe e filho.

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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito

2 comentários:

  1. Giulia Miranda Corcione16 de junho de 2013 às 17:13

    A decisão do STF que autoriza o aborto de fetos anencéfalos esbarra, ainda hoje, após um ano de publicação da decisão, em entraves principalmente morais, quando a questão é avaliada por uma perspectiva religiosa ou quando feita uma análise quanto à saúde da mãe.

    Como medida exclusivamente terapêutica foi clara a necessidade de sua implementação, pois ela facilita a concessão do pedido feita por mães que diagnosticaram que o feto é anencéfalo, antecipando o procedimento e evitando o alto risco de problemas para o corpo da gestante. Acompanhado a esse procedimento e devido à medida invasiva ao corpo e à saúde da mãe, há uma orientação feita por uma psicóloga para que a perda da criança não traga para a mãe o sentimento de culpa, derrota.

    O procedimento é cerceado pelo artigo 128, I do Código Penal, que permite, para fins terapêuticos, a interrupção da gravidez. Isso evidencia que questionamentos sobre a legalidade do procedimento já não deveriam ser levados em consideração, já que se trata de uma opção feita pela mãe visando proteger sua integridade física e psicológica, frente às concepções morais que condenam uma escolha particular dessa paciente.

    Enfatizo a ideia de que há o direito de escolha em realizar ou não o procedimento e que essa decisão deve ser protegida judicialmente em caso da escolha pelo aborto terapêutico ou não. Analisando a repercussão social advinda da decisão do STF, a existência do conflito entre a proteção à vida do feto, já relativizada por causas biológicas, frente à integridade da mãe, deve ser observada, sob meu ponto de vista, como um favorecimento inevitável e necessário do segundo sobre o primeiro. Vivemos em um estado laico, em que concepções religiosas não deveriam atingir questões biológicas sobre as quais o direito de escolha de uma paciente é protegido.

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  2. O posicionamento do STF somente fez por abrandar juridicamente, decisões isoladas de juízes no tocante ao aborto em casos de anencefalia.

    De acordo com a medicina anencefalia é a “malformação em que não acontece o fechamento do tubo neural, ficando o cérebro exposto”, ou seja, um natimorto cerebral, do qual é possível diagnosticar com clareza essa condição pelo uso da ultrassonografia por volta do 3º mês, ficando o médico incumbido de noticiar e deixar a decisão por conta da gestante, sendo certo o fato de que uma vez diagnosticado um bebê anencefálo, o resultado morte já é esperado ante sua condição de vida de minutos/horas.

    Destarte que a CR/88 traz em seu contexto direitos a serem tutelados, que no tocante a questão da anencefalia se contrapoem o direito à vida e à liberdade, onde a grande discussão é o limite da liberdade de escolha da gestante, já que o digesto Código Penal Brasileiro preconiza a criminalização do aborto, com exceção das hipóteses previstas no artigo 128, inciso I e II.

    A celeuma paira quando se define dignidade da pessoa humana ante os limites a ela impostos, in casu, devem ser valorados questões que vão além das questões normativas que, possibilitem a melhor adequação aos fatos já que no caso de proteção a vida, os natimortos nao teriam vida a serem tuteladas e sim a liberdade de escolha da gestante em optar pela interrupção ou nao da gestação.

    Penso que, ainda, que o direito a vida seja um direito elementar o direito a liberdade se sobrepõe quando já não se há vida!

    Vanusa Ferreira

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