Morte de jovem anoréxica que recusou tratamento causa polêmica na Argentina
- Antonella Mirabelli tinha 19 anos e pesava 35 quilos
- Pai havia recorrido à Justiça para que ela fosse internada involuntariamente; agora ele pede a guarda das outras filhas
- Avó e mãe, que eram contra tratamento, integram grupo fundamentalista e diziam que Antonella só precisava de Deus
Com agências internacionais
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BUENOS AIRES - Antonella Mirabelli tinha 19 anos e pesava 35
quilos. A jovem se recusava a receber ajuda médica, apesar de o pai, divorciado
de sua mãe, ter recorrido à Justiça várias vezes para que fosse internada
involuntariamente. Sua mãe e sua avó eram contra o tratamento. Estavam
convencidas de que Deus era tudo que a garota precisava. No domingo, Antonella
foi achada morta, em sua cama, na casa da família, na cidade de Rosario del
Tala. O caso gerou polêmica na Argentina e, agora, o pai pede a guarda das
outras filhas.
Christian Mirabelli acusou a Justiça de não ter impedido a
morte da jovem e exige que suas outras seis filhas, entre seis e 17 anos,
permanecem sob sua custódia e tenham acesso a cuidados médicos garantido quando
necessário. Os pais de Antonella se separaram há seis anos, quando, segundo
familiares, a mãe se juntou a um grupo religioso fundamentalista que prega que
Deus é o único que atende a todas as necessidades, físicas e espirituais do ser
humano.
De acordo com informações do jornal “El Tiempo”, o grupo
reúne apenas 30 pessoas em Rosario del Tala, não tem nome, é liderado por Cielo
Roca, avó de Antonella, e não responde a nenhuma religião. Eles não são
Testemunhas de Jeová, nem católicos e evangélicos. Segundo a família, a avó
recebia visões e revelações divinas e transmitia a seus seguidores.
Após a notícia da morte de Antonella, sua mãe, Veronica
Rodriguez Roca, postou em sua página no Facebook uma carta na qual ele
agradeceu o promotor do caso, Samuel Elvio Rojkin, e a juíza Elina Corral por
não autorizar o pedido do pai.
“Obrigada por permitir exercer a lei com toda a liberdade
dos direitos individuais das pessoas, permitindo que minha filha fizesse a
vontade dela, já que ela permaneceu firme em sua fé até o momento da sua
partida”, escreveu.
Natalia Mirabelli, tia de Antonella, contou que em setembro
passado o pai da menina, que é enfermeiro, apresentou uma queixa à Defensoria
de Pobres e Menores da Argentina para advertir sobre a deterioração da saúde de
sua filha mais velha. A Justiça decidiu respeitar a decisão de Antonella, que,
no entanto, concordou em comparecer a uma consulta terapêutica.
- No mesmo dia em que ela estava indo à primeira consulta
psicológica, a avó e as tias maternas foram ao hospital e a tiraram de lá. Elas
se opõem a qualquer tipo de assistência que não seja de Deus - disse Natalia.
O promotor Rojkin, que interveio no caso, argumentou que foi
feito de tudo para salvar a Antonella, mas que o Estado não podia internar à
força em um centro médico uma mulher maior de idade e “no uso de suas
faculdades mentais”. Segundo a tia, porém, a Justiça havia recebido um
relatório do hospital psiquiátrico da província da jovem no qual se identificou
a necessidade de uma internação em caráter de urgência.
É um caso que gera grande debate sobre até que ponto deve ir a autonomia privada. Uma pessoa em um estado terminal, ainda que com plena capacidade e em pleno uso de suas faculdades mentais, deve ser forçada compulsoriamente a um tratamento médico? O direito à vida inclui o direito à morte?
ResponderExcluirE complicado para o Estado realizar a precaução dos danos neste caso. Uma internação compulsória poderia ferir os direitos e as crenças dos indivíduos e cercear a autonomia privada (além de abrir precedentes para casos até com outras doenças). Todavia, a não intervenção acabou levando à morte da menina e à perda da guarda pelo pai de suas irmãs.
Com isso em mente, cabe separar dois pontos:
1) O Estado tem a responsabilidade positiva de garantir ao máximo a saúde, a integridade física e a vida dos indivíduos ainda que contra a vontade destes?
2) O pai tem a responsabilidade positiva de internar compulsoriamente sua filha plenamente capaz e dentro de suas faculdades mentais?
Se a resposta for sim, então deverá haver responsabilidade negativa em qualquer dos casos. Entretanto, a resposta mais adequada parece ser não.
O Estado deve garantir a vida e a saúde (física e mental) dos indivíduos. Todavia, isso não deve ser feito contra a vontade desses, isso porque o princípio mais adequado a se aplicar neste caso é o da autonomia privada. Do contrário, a interferência do Estado no âmbito da crença do indivíduo atenta contra a liberdade e o Estado tem a responsabilidade positiva de não lesar a liberdade de crença.
Do ponto de vista do pai, cabe ressaltar que ele tomou as medidas para tratar sua filha, tendo agido com toda a precaução que podia. Dessa forma, não cabe neste caso a responsabilidade negativa que lhe foi imposta em forma da perda da guarda das demais filhas. Além de que, ele não tinha a responsabilidade positiva de levar o caso à justiça, já que o Estado não estava negando atendimento, apenas respeitando a liberdade da menina. Portanto, de jeito algum caberia a sanção a ele imposta.
Não obstante a isso, caberia a mãe a responsabilidade negativa a partir do momento em que ela impediu a filha a ir a uma consulta psicológica. Além de não agir para evitar o dano, ela interferiu na decisão da filha, atacando sua autonomia (vale lembrar que no contexto atual, os direitos fundamentais devem ser respeitados não só verticalmente -- pelo Estado -- mas também horizontalmente -- pelos demais indivíduos).
O caso em estudo traz a tona duas discussões polêmicas atuais. A primeira delas refere-se ao que foi mencionado pela mãe de Antonella sobre o direito individual da filha em dispor do corpo da maneira que preferir. A segunda relaciona-se à atuação estatal sobre essa situação e ao posicionamento de cada parte da família, uma afim de justificar a decisão da jovem e a outra a criticá-la.
ResponderExcluirNão há dúvidas que o posicionamento do pai, que pretendia resguardar a saúde e, consequentemente, a vida da filha, foi coerente ao buscar meios judiciais que protegessem seu interesse. Apesar do relatório hospitalar afirmando a necessidade de urgente internação, pesa muito a decisão da adolescente em buscar sua melhora, o que sob o meu ponto de vista não possui argumentos que justifiquem sua decisão quando ajustada a um Estado que defenda a laicização se relacionado à saúde. A Argentina, apesar das recentes discussões sobre a apostasia, ainda tem o Estado ligado ao catolicismo (apesar também de grande parte da população ser a favos do Estado laico), o que dificulta discussões que procurem afastar uma decisão como essa da religião. Ainda assim, e como foi justificado pelo pai da jovem, o ideal pelo qual a mãe e avó buscavam não se relacionava a preceitos católicos.
A decisão judicial, nesse caso, foi em defesa do direito individual de Antonella em dispor da própria vida, caso o relatório médico (alegando a emergência da internação) possa ser levado em consideração, como foi citado. Acredito e enfatizo que havia necessidade em ter-se promovido um acompanhamento psicológico à jovem e a um conselho médico mais rigoroso, aumentando a chance de sua sobrevivência. Casos extremos como esse devem ser afastados de preceitos religiosos, buscando-se entender e resolver de forma precisa o problema de saúde existente.
A notícia publicada mostra a colisão de dois direitos fundamentais, o Direito à Vida e a Liberdade Religiosa, e diante do Estado Democrático de Direito sobrepor um direito ao outro, ponderando-o no caso concreto, é uma tarefa hermenêutica complexa.
ResponderExcluirNo caso em questão, a jovem, maior de idade e “no uso de suas faculdades mentais” recusou os tratamentos e o seu direito à Liberdade Religiosa sobrepôs o Direito à vida. O seu pai, indignado com a postura, acusa a Justiça de se omitir diante do caso, “permitindo” que sua filha falecesse.
Particularmente, entendo que o parecer do Promotor de Justiça é válido: “argumentou que foi feito de tudo para salvar a Antonella, mas que o Estado não podia internar à força em um centro médico uma mulher maior de idade e “no uso de suas faculdades mentais”. Este afirmação remete o poder de autonomia do indivíduo, de escolher qual é a melhor opção para sua vida. Ademais, por mais que o direito à vida esteja enraizado de modo mais eficiência na concepção coletiva de dignidade, e de certa forma prevalecer diante dos outros direitos sempre, não se pode generalizá-lo, menosprezando os demais, no caso a Liberdade Religiosa.
Não existe uma obrigação em viver, isto é, o Estado não pode impor a ninguém que a sua vida deve ser mantida a qualquer custo, sendo que em muitos casos a pessoa não vê prosseguimento da vida se submeter algum tratamento, pois este pode ser tão degradante à sua vida social que não haverá sentido em continuá-la. A pessoa pode ser excluída socialmente ao grupo pertencente por sucumbir ao tratamento, e as consequências à sua dignidade por ser infinitamente maior que ao próprio direito à vida.
Destarte, se o paciente está em condições mentais de manifestar a sua opção, não há porque desrespeitá-la. Se há a convicção da sua escolha, a autonomia privada conjuntamente com a liberdade religiosa deve ser respeitada. Deve-se pensar uma solução que otimize a realização de todos os direitos, mas que ao mesmo tempo não haja a negação de nenhum.
Tallita, prefere-se a aplicação adequada e não via ponderação, que é de cunho axiológico.
ExcluirEm vários temas do Biodireito sempre é enfatizado a afirmação da autonomia privada das pessoas, como forma de garantir suas reais vontades e liberdades, garantindo assim seus direitos. No entanto quando se refere à saúde dessas pessoas penso que a situação deve ser analisada de forma diferente. Partindo da análise do caso acima, penso que se deveria ir a favor da vida da jovem, pois é um direito intrínseco, como trata inclusive nossa Constituição, ao prever a inviolabilidade do direito à vida. Nesse caso, poder-se-ia ultrapassar um pouco esse limite da "vontade", já que almejaria o próprio bem da pessoa, ou seja, um bem maior.
ResponderExcluirDaniel, quem define o que é vida e o que é vida boa? É o Estado?
ExcluirA morte da jovem Antonella Mirabelli reflete uma situação complexa e delicada para juízes, curadores de família, peritos, advogados, entre outros na hora de decidir a posse e guarda dos filhos de pais separados. Isso nos faz refletir sobre a dificuldade que é pata um juiz decidir de forma coerente e racional sobre a vida de outras pessoas. Além disso, a morte da jovem Antonella também envolve questões éticas, pois até que ponto sua internação involuntária seria correta? Sendo que foi dela a escolha de participar de um grupo fundamentalista que pregava que Deus é o único que atende a todas as necessidades, físicas e espirituais do ser humano. Apesar de tudo isso, eu acredito que passar a custódia das irmãs de Antonella para o pai Christian Mirabelli seria racional, para que as outras filhas tenham oportunidades de conhecer diferentes formas de vida que elas podem ser adeptas e passem a ter acesso a cuidados médicos quando necessário.
ResponderExcluirO direito do paciente em recusar tratamento médico que impute inconvenientes à sua saúde física ou, como neste caso, moral, deve ser analisado frente aos direitos à vida e à liberdade. Do ponto de vista tando da bioética, como do biodireito, o princípio que entra em pauta é o da Autonomia, ou seja, o direito individual da autodeterminação do paciente, que o exerce, no caso da recusa a tratamento médico, de acordo com seus valores morais,sendo, portanto, substancial ao direito fundamental à liberdade.
ResponderExcluirQuando há recusa a determinada prescrição médica, é o profissional da saúde que deverá proteger e respeitar essa autonomia do paciente.
Há quem defenda, neste âmbito, que desrespeitar a decisão do paciente, mesmo que a considere maléfica para sua saúde, viola sua autonomia, considerando os pacientes como um meio e não um fim em si mesmas, indo contra um Imperativo Bioético.
É claro que tal autonomia tem validade relativa, uma vez que faz-se necessário que haja o total esclarecimento sobre os procedimentos, bem como deve-se analisar a capacidade do paciente em tomar decisões.
Neste sentido, é possível associar a situação artigo 15 do Código Civil de 2002, analisando não o risco físico mas, neste caso, o risco moral do paciente.
Esse caso pode ser analisado no âmbito do direito à autonomia, vislumbrando como embasamento jurídico o artigo 15 CC/02 .Todo paciente possui o direito ao chamado consentimento informado, direito esse que assegura que esse indivíduo em tratamento participe das decisões do seu tratamento no que concerne ás possibilidades de risco a sua integridade psicológica e física sendo que para tanto o médico deve deixá-lo a par dos riscos assim como dos benefícios das medidas tomadas não podendo obrigá-lo a submeter-se a intervenção cirúrgica ou tratamento médico, ainda que ameaça à sua vida. Sendo assim nesse caso vemos que a decisão da jovem encontra-se de acordo com a previsão legal se dando a polêmica em relação à possível influência que a jovem pode ter sofrido por parte de sua mãe e sua avó, o que poderia por em questão a capacidade da jovem para decidir sobre sua real situação.
ResponderExcluirO caso da morte de Antonella leva a um conflito entre os Direitos individuais garantidos pela Constituição: o direito à vida x direito à autonomia da vontade.
ResponderExcluirDe acordo com o direito à vida a jovem deveria ser submetida aos necessários tratamentos para que ela sobrevivesse aos danos causados pelo distúrbio alimentar que sofria. Entretanto, não era de sua vontade passar por todos os tratamento médicos que lhe cabiam na ocasião, uma vez que sua crença a levava a acreditar que apenas a vontade de Deus seria válida para decidir sua vida.
Nesse conflito de direitos o a autonomia da vontade prevaleceu. As pessoas têm o direito de dispor ou não dos demais direitos que possuem. Antonella optou por abrir mão do Direito à vida e o poder Judiciário argentino adequadamente acatou.
O caso em questão se encaixa perfeitamente com o princípio da Autonomia Privada, o qual proporciona ao indivíduo a capacidade de definir seus próprios interesses e de buscar aquilo que se considera benéfico. Entretanto, essa autodeterminação só é possível se o indivíduo for capaz de usar a razão, de compreender e deliberar para decidir de modo coerente a melhor opção dentre as apresentadas.
ResponderExcluirSeguindo esse raciocínio é dever do médico informar ao paciente através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido sobre a doença, as conseqüências e os riscos a ela inerentes para que o próprio paciente possa expressar se aceita ou não o tratamento.
Ademais, a ação decisória deve ser livre de vícios e influências controladoras, não deve haver coação, a tomada de decisão deve ser feita de modo que a vontade do paciente seja manifestada de modo imaculado.
Em relação ao Estado, este deve proporcionar aos indivíduos o direito à saúde física e mental, no entanto em caso de recusa ao tratamento médico como fez Antonella, este ente deverá apenas acatar essa decisão não interferindo nas crenças e nas convicções dos indivíduos.
Pode-se dizer, então, que Antonella ao recusar o tratamento médico para se apoiar em seus fundamentos religiosos ela exerceu seu direito à Autonomia Privada, o qual foi expressamente reconhecido pelo Judiciário Argentino.
No caso em questão, há choque entre direitos (princípios) fundamentais, isto é, temos o direito à vida se confrontando com o direito à liberdade religiosa, uma vez que a jovem optou pelo não tratamento em razão da crença por ela adotada.Em tais situações de colisão de princípios fundamentais, faz-se necessária a análise do caso concreto, para que se possa sopesar, mediante a proporcionalidade, qual o direito deve preponderar naquele caso.Assim, na reportagem supracitada, penso no sentido da impossibilidade de se relegar o direito à vida, priorizando a liberdade de crença. Não acredito que possam prescindir da importância atribuída ao direito à vida, uma vez que é dele que emanam todos os outros direitos. Além disso, tendo como parâmetro o ordenamento jurídico brasileiro, busco guarida no Direito Penal para reafirmar meu posicionamento, uma vez que tal ramo do Direito tem por escopo tutelar os bens imprescindíveis a sobrevivência da sociedade. Quando o Código Penal classifica como crime a conduta de supressão da vida alheia, como no tipo penal Homicídio, o faz a fim de salvaguardar o bem "vida". Ainda, penso que um Estado Laico que se preze deve atuar com cautela, de modo a não firmar posicionamento pautado num pensamento apregoado por uma determinada religião. Enfim, no caso de Antonella, opto pela linha que prime pelo direito à vida.
ResponderExcluirRebeca, diante do conflito de princípios, não seria melhor utilizar-se da adequabilidade no lugar da ponderação?
ResponderExcluirDoutro lado, é possível aprioristicamente e com base nos valores que fundamentam o Direito Penal decidir o que deve prevalecer?
Por fim, o Estado pode decidir o que é bom para você ou para o outro aprioristicamente? Pune-se o suicídio próprio? Há um conceito de "vida boa" comum?
No caso de Antonella vislumbra-se o princípio da Autonomia Privada, dentro do qual cada indivíduo tem o direito de definir quais os parâmetros que serão aplicados à sua vida, ao seu projeto de vida, conforme suas crenças e costumes, por exemplo. Dentro disso, possível seria alguém se recusar a realizar um tratamento médico fundamentando-se em um preceito religioso. Contudo, no caso em tela, necessário também era verificar-se o discernimento de Antonella, além de se realizar um acompanhamento psicológico com a mesma.
ResponderExcluirNo caso acima existe o conflito de dois princípios sendo eles, Autonomia privada e Direito a vida.
ResponderExcluirA autonomia privada garante a liberdade de escolha por Antonella de se submeter a tratamentos ou não, pois apesar de estar com uma doença , que caso continuasse progredindo a levaria a óbito, a mesma não poderia ser constrangida por seu pai ou pelo Estado a se submeter a procedimentos forçados. Um outra corrente defende o direito a vida, em paralelo a principio da preponderância, no qual estabeleceria uma graduação entre os direitos, sendo a vida o maior deles. Portanto caso o pai ou o Estado tivesse a necessidade de interna-la contra sua vontade, mesmo sendo maior e capaz, eles poderiam, já que estavam lutando pela tutela de um bem maior.
O caminho mais acertado nesse caso sob uma ótica de compatibilização de direitos era o de realizar um laudo médico e avaliar a capacidade de discernimento da paciente, caso esse possui o discernimento para tomar decisões sua vontade deveria ser respeitada em qualquer caso, mesmo que essa se recusasse ao tratamento escolhendo a morte.