Angelina Jolie: minha escolha médica
ANGELINA JOLIE
PARA O "NEW YORK TIMES"
PARA O "NEW YORK TIMES"
LOS ANGELES - Minha mãe combateu o câncer por quase uma década e morreu aos 59 anos. Conseguiu sobreviver por tempo suficiente para conhecer seus primeiros netos e tê-los nos braços. Mas meus outros filhos jamais terão a oportunidade de conhecê-la e de descobrir o quanto ela era amorosa e carinhosa.
Muitas vezes conversamos sobre a "mamãe da mamãe", e me vejo tentando explicar a doença que a tirou de nós. As crianças perguntaram se o mesmo podia acontecer comigo. Sempre respondi que não deviam se preocupar, mas a verdade é que porto um gene "defeituoso", o BRCA1, e isso eleva acentuadamente meu risco de desenvolver câncer de mama e câncer de ovário.
Meus médicos estimaram que eu tinha risco de 87% de câncer de mama e de 50% de câncer de ovário, ainda que os riscos sejam diferentes de mulher para mulher.
Apenas uma fração dos cânceres de mama resultam de uma mutação genética herdada. As mulheres com BRCA1 defeituoso têm, em média, 65% de risco de desenvolver a doença.
Angelina Jolie
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Angelina Jolie e Brad Pitt chegam para a pré-estreia mundial do filme "Guerra Mundial Z" em um cinema de Londres, Inglaterra
Assim que eu soube que minha realidade era essa, decidi agir de modo pró-ativo e minimizar o risco ao máximo. Tomei a decisão de realizar uma dupla mastectomia preventiva. Comecei pelos seios porque meu risco de câncer de mama é mais elevado do que meu risco de câncer de ovário, e a cirurgia é mais complexa.
Em 27 de abril, concluí os três meses de procedimentos médicos que a mastectomia requeria. Ao longo do período, pude manter o sigilo sobre o que estava acontecendo e continuar com meu trabalho.
Mas agora decidi escrever a respeito com a esperança de que outras mulheres possam se beneficiar de minha experiência. Câncer continua a ser uma palavra que causa medo no coração das pessoas, produzindo um profundo senso de impotência. Mas hoje é possível determinar por meio de um exame de sangue se você é altamente suscetível a câncer de mama e câncer de ovário, e agir a respeito.
Meu processo começou em 2 de fevereiro com um procedimento conhecido como "nipple delay", que impede doença nos dutos mamários por trás dos mamilos e irriga a área com fluxo sanguíneo adicional. O procedimento causa alguma dor e muitos hematomas, mas aumenta a chance de preservar o mamilo.
Duas semanas mais tarde, fiz a principal cirurgia, na qual o tecido do seio é removido e a área é ocupada por um preenchimento temporário. A operação pode demorar até oito horas.
Quando você acorda, está com tubos de drenagem e expansores nos seios. Parece uma cena de filme de ficção científica. Mas dias depois da cirurgia, já pode voltar à sua vida normal.
Nove semanas mais tarde, a cirurgia final é completada com a reconstrução dos seios por meio de um implante. Houve muitos avanços nesse procedimentos nos últimos anos, e os resultados podem ser muito bonitos.
Eu quis escrever este artigo para contar a outras mulheres que a decisão de fazer uma mastectomia não foi fácil. Mas estou muito feliz por tê-la tomado. Minha probabilidade de desenvolver câncer de mama caiu de 87% para menos de 5%. Agora posso dizer aos meus filhos que eles não precisam ter medo de me perder para o câncer de mama.
É animador que eles não vejam coisa alguma que lhes cause desconforto. Veem as pequenas cicatrizes que ficaram, e só isso. Tudo mais é a mamãe, a mesma à qual eles estão acostumados. E eles sabem que os amo e que farei qualquer coisa para ficar com eles pelo maior tempo possível. Do ponto de vista pessoal, não me sinto menos mulher. Sinto ter ganhado força por fazer uma escolha forte que de forma alguma diminui minha feminilidade.
É minha sorte ter um parceiro, Brad Pitt, tão amoroso e tão presente. Assim, para qualquer pessoa que tenha uma mulher ou namorada que esteja passando por isso, é importante saber que você será parte importante da transição. Brad esteve no Pink Lotus Breast Center, onde fui tratada, durante cada minuto das cirurgias. Conseguimos encontrar momentos que nos permitiram rir juntos. Sabíamos que essa era a coisa certa a fazer por nossa família, e que isso nos aproximaria. E foi o que aconteceu.
Para qualquer mulher que esteja lendo este texto, espero que ele possa ajudá-la a saber que você tem escolhas. Quero encorajar todas as mulheres, especialmente as que tenham histórico familiar de câncer de mama ou câncer ovariano, a buscar informações e procurar especialistas médicos que possam ajudá-las quanto a esse aspecto de suas vidas, e a fazer escolhas pessoais informadas.
Gostaria de apontar para o fato de que existem muitos médicos holísticos maravilhosos trabalhando em alternativas a uma cirurgia. Meu tratamento será postado futuramente no site do Pink Lotus Breast Center. Espero que isso seja útil a outras mulheres.
O câncer de mama mata 458 mil pessoas por ano, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), principalmente em países de baixa e média renda. Garantir que mais mulheres tenham acesso a testes genéticos e tratamentos preventivos que podem salvar vidas deve ser uma prioridade, não importa quais sejam as origens e os meios das pacientes. O custo dos testes de BRCA1 e BRCA2, que é de mais de US$ 3 mil nos Estados Unidos, continua a ser um obstáculo para muitas mulheres.
Optei por não manter o sigilo sobre minha história porque existem muitas mulheres que não sabem que podem estar vivendo sob a sombra do câncer. Também espero que elas possam passar por testes genéticos e, em caso de risco, que saibam que existem opções fortes para elas.
A vida vem com muitos desafios. Aqueles que podemos encarar e sobre os quais podemos tomar o controle não devem nos assustar.
Angelina Jolie / 2013 The New York Times
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
Ao analisar o caso específico da atriz Angelina Jolie, observando seus direitos fundamentais a dignidade e a liberdade, sua capacidade de responder pelos próprios atos, seu histórico genético de predisposição ao câncer de mama e ovários e tendo em vista que ela já sofreu a experiência de perder alguém muito próximo, a mãe, para o câncer, me parece plausível que ela, tendo recursos para tal procedimento, o fizesse, como uma forma de prevenção. Tal atitude chamou a atenção da mídia, levando a discussão do seu ato a um grupo maior de pessoas. Isso pode contribuir para fomentar estudos nesta área, a fim de aprimorar o procedimento já que ele, atualmente, é demorado e de alto custo não sendo viável para ser aplicado como uma opção acessível a todas as mulheres interessadas em fazê-lo.
ResponderExcluirA intervenção cirúrgica pela qual passou Angelina Jolie é vista como uma mutilação desnecessária pelos defensores da não interferência corporal. Acontece que deve-se avaliar os riscos de real desenvolvimento da doença, a fim de que se sobrepese entre a retirada ou não de um possível fator causador de doença e sofrimento. Cabe a análise do caso e sua possível consequência de acordo com o procedimento adotado, isso se houver procedimento. Certo que o caso citado tem fator de evolução alto, o que obriga o paciente a se decidir entre a dispensa de alguma parte corporal, e consequente diminuição dos riscos cumulada com difícil decisão e alteração estética, ou possível evolução do quadro para uma doença travadora de grandes batalhas.
ResponderExcluirE o papel do Direito nesta seara Camila? Qual é?
ExcluirA dupla mastectomia preventiva ficou famosa nos Estados Unidos por volta de década de 90 mas, no momento em que uma figura importante da mídia como Angelina Jolie levanta a bandeira defendendo a cirurgia, os debates e divergências se intensificam ainda mais.
ResponderExcluirA comunidade médica garante que este tipo de intervenção só deve ser feita em casos extremos, sendo mais recomendável a realização de terapias hormonais que podem diminuir em até 70% os riscos de desenvolver a doença. A atriz publicou um artigo no Jornal The New York Times encorajando mulheres a realizar o exame de triagem genética e, por consequência, a dupla mastectomia preventiva, caso tenham histórico familiar de risco. O problema existente neste fato pode ser analisado de diversos aspectos. Um deles consiste na própria realização do exame de triagem genética, devido ao seu alto custo, que o torna inacessível a grande parte das mulheres e, também, em razão da discussão em torno deste tipo de pesquisa. Médicos defendem que, para realizar este tipo de exame, o paciente deve estar preparado para as consequências que o resultado pode trazer. Outro debate em torno desse assunto envolve questões éticas, quando alguns alegam que a realização deste tipo de exame, iria contra a naturalidade das coisas da vida, acusando os adeptos desta prática de quererem "brincar de Deus".
Deixando de lado questões pessoais, éticas, midiáticas, vamos analisar este acontecimento do ponto de vista jurídico, que é o qual nos interessa.
A Constituição deste país visa garantir a seus cidadãos o direito de ter autonomia em suas escolhas que levem a realizar seu projeto próprio de vida, contanto que não interfira no direito alheio, indo contra normas pré-estabelecidas. Neste caso, teríamos o direito de tomar decisões que afetassem somente a nós mesmos, correto? Seria. O Código Civil, no entanto, em seu artigo 13, defende o direito de dispormos de nossos corpos mas, em seu parágrafo único, deixa a dúvida se isso não seria permitido somente em relação à doação de órgãos. O artigo 14, novamente, valida essa disposição do próprio corpo por motivos altruísticos. Dito isso, parece plausível concluir que o nosso Código Civil admite que façamos o que quisermos com nossos corpos somente quando isto foi em benefício de outrem, não dizendo nada a respeito dessa disposição em favor próprio.
Essa falta de previsão legal sobre o uso do corpo para atender a escolhas de nós mesmos, para nós mesmos, pode ser vista como uma "lacuna", um "silêncio" do legislador, que pode ser interpretada como intencional, por não permitir tal conduta, ou acidental.
Cabe a cada intérprete chegar a conclusão que mais se faz correta segundo sua análise profunda do ordenamento jurídico, bem como do caso concreto.
Na minha concepção, por fim, acredito que o direito ainda não tem o arcabouço necessário para resolver questões desta alçada, tão polêmicas e difíceis de serem resolvidas. No caso de Angelina Jolie, a decisão pela cirurgia foi razoável, uma vez que ela já foi mãe e a remoção dos seios não atrapalharia em nada neste sentido, uma vez que ela já passou por gestações e não teria a intenção de passar por outras. O caso de sua mãe também ter falecido devido ao câncer de mama ajuda a justificar a decisão da atriz de realizar o exame em seu gene, o que a levou a descobrir um risco muito alto de desenvolvimento da doença, justificando a cirurgia.
O procedimento cirúrgico deve ser recurso último de prevenção ao câncer, utilizável somente em casos extremos, uma vez que existem outros métodos preventivos menos agressivos e tão eficientes quanto. O problema todo consiste no fato de que as pessoas podem querer munir-se deste recurso de maneira desenfreada, devido ao medo de serem acometidas pelo câncer, que aumenta sua incidência a cada ano. Caberia, novamente, uma análise a cada caso específico para definir se a cirurgia é realmente recomendável ou não, do ponto de vista jurídico, médico e pessoal do paciente.
Isabela, a Resposta do Direito vem por meio da aplicação do sistema normativo aberto. Trata-se do Direito ao próprio corpo.
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