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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Lei que exclui lésbicas da reprodução assistida cria polêmica na Espanha

Fonte: www.g1.globo.com

11/08/2013 10h15 - Atualizado em 11/08/2013 10h26

Lei que exclui lésbicas da reprodução assistida cria polêmica na Espanha

Para reduzir os gastos da saúde pública, nova norma 'exige esterilidade' para acesso a tratamentos de fertilidade.

Da BBC

Marta Posa Albert e a pequena Blanca (Foto: BBC)Marta Posa Albert e a pequena Blanca (Foto: BBC)
Grupos em defesa dos direitos dos homossexuais e feministas na Espanha estão protestando contra um projeto de lei que impede lésbicas de usarem o sistema público de saúde para tratamentos de reprodução assistida.
O texto do projeto de lei define a esterilidade como a 'ausência de consecução de gravidez após 12 meses de relações sexuais com coito vaginal sem uso de métodos contraceptivos'.
Se transformada em lei, a normativa deixaria sem atendimento pelo sistema público as mulheres que pretendem ser mães mas não querem ter envolvimento sexual com um homem para a geração de filhos.
Também são critérios para ter acesso ao financiamento público a idade do paciente (a mulher deve ter no máximo 40 anos e o homem, 50 anos) e não ter se submetido antes a esterilização voluntária.
A norma foi aprovada pelo Conselho Interterritorial do Sistema Nacional de Saúde, ainda que a proposta tenha sido rejeitada por quatro das dezessete comunidades autônomas da Espanha. O texto agora segue para o Conselho de Ministros e dependerá da sanção do rei para se tornar um decreto real, passando a ser adotado em todo o país.
Na prática, algumas regiões da Espanha, como a Comunidade Valenciana e a Catalunha, há dois anos já aplicam essas restrições a mulheres que vivem sozinhas ou a lésbicas que tentam o tratamento na rede pública.
'A falta de um homem'
A polêmica cresceu ainda mais após declaração da ministra da Saúde, Ana Mato, dizendo que não considera 'a falta de um homem como um problema médico', deixando portanto aquelas que decidem ser mãe sem a participação de um parceiro masculino na geração do filho fora da cobertura da lei.
Antonio Perdomo Rodríguez, coordenador da área de famílias da Federação Estatal de Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais diz que a medida 'é claramente homofóbica e misógina', pois atenta contra os direitos das mulheres à maternidade.
'Esse critério é insultante e discriminatório, por considerar o estado civil ou a orientação sexual da mulher. É um recorte ideológico, não econômico', critica Perdomo.
Em comunicado, o Ministério da Saúde explicou que em 'nenhum momento faz-se segregação por condicionantes pessoais das pacientes' e que 'o requisito é a esterilidade ou os casos em que o tratamento é aconselhado como prevenção, para garantir a saúde (da mulher) e do futuro filho'.Núria Roch, representante do grupo de mulheres Te N'aDones, acredita que a proposta 'tira das mulheres a capacidade de decisão sobre suas vidas, negando a existência de famílias diferentes do modelo tradicional'.
Mariluz Vázquez, da Associação de Mães Solteiras por Opção, argumenta que a reprodução humana é mais que biológica, sendo também um fator social
.'No caso de mulheres sozinhas, esse desejo é visto como um capricho, mas caso sejam parte de um casal tradicional, um homem e uma mulher, se considera um projeto de vida. No entanto, o desejo de formar uma família é o mesmo.
'Mariluz lembra que, na Espanha, uma mulher viúva que tenha dois filhos já se enquadra na definição oficial de família numerosa e tem direito a ajuda econômica do governo, benefício não acessível às mães solteiras.
'Em nome da crise'
Disposta a ser mãe solteira, Marta Posa Albert, 42 anos, gestora de um centro médico, tentou fazer o tratamento de fertilidade pela rede pública. Sem sucesso, teve que recorrer à rede privada para se submeter a uma fertilização in vitro.
'Esperei ter estabilidade financeira para ser mãe, então tive sorte, porque consegui pagar o tratamento na rede privada. Tive que arcar também com o custo dos remédios, que antes era bancado pelo governo mesmo em tratamentos privados, mas o benefício já havia sido cortado', relembra ela, agora mãe da pequena Blanca, de 6 meses.
A professora Catalina Pallás, 47 anos, também foi mãe por fertilização in vitro pela rede particular. Ela e a esposa, a engenheira Immaculada Lluesma, 42 anos, contam que enfrentaram muitas dificuldades e gastaram todas as economias para conceber o filho, hoje com 6 anos. 'Na rede pública, me disseram que eu não estava doente, não era infértil', diz Catalina.
Presidente da Associação de Famílias Lésbicas e Gays da Catalunha, ela observa que a lei do matrimônio igualitário tem imposto mudanças que beneficiam os casais homossexuais e, por isso, considera a proposta do Ministério da Saúde um retrocesso
.'É ridícula a quantidade de dinheiro que a nossa exclusão, sendo um coletivo tão minoritário, poderia estar economizando para o erário. Esse recorte não se justifica em nome da crise', diz Catalina.
Em entrevista à Europa Press, o conselheiro de Saúde da Comunidade Valenciana, Manuel Llombart, respaldou a ministra Mato e disse que 'o sistema de saúde público existe para tratar problemas patológicos, senão teríamos que falar de outra carteira de serviços que estaria dentro de outra competência, não dentro da competência sanitária'.
Condenação
O Tribunal Superior de Justiça de Astúrias obrigou a saúde pública do principado a dar acesso às técnicas de reprodução assistida a uma mulher lésbica.

De acordo com a sentença, o principado de Astúrias terá ainda que devolver a ela cerca de 8 mil euros que tinha gasto em clínicas privadas.

A região de Astúrias, no norte da Espanha, é uma das que se posicionaram contra a proposta do governo espanhol.

O Ministério da Saúde informou respeitar essa sentença e concorda que não se pode obrigar a ninguém a ter relações sexuais com quem não queira.

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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito

7 comentários:

  1. A opção espanhola de restringir o benefício da reprodução humana assistida pelo Sistema Público de Saúde não pode ser ratificada com base na possível redução de gastos que geraria, uma vez que caso a referida lei fosse aprovada haveria uma patente violação a direitos. Verifica-se que a lei não prestigia a igualdade entre os cidadãos, uma vez que exclui aqueles que não se enquadram no tradicional conceito de família. Ademais fere a autonomia privada da mulher, que apesar de ser fértil quer se submeter a uma reprodução humana assistida, seja pela orientação sexual ou simplesmente por não ter encontrado um parceiro que partilhasse de seu projeto de vida. O que a presente reportagem demonstra é que o governo espanhol, com a referida proposta de lei, excluirá determinadas mulheres do exercício de sua autonomia privada, uma vez que aquelas que não tenham condições econômicas para financiar sua reprodução não poderão realizar plenamente o seu plano de vida, o que em última análise significa uma interferência estatal invasiva na esfera de privacidade e intimidade de seus cidadãos.

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  2. No Brasil, diferentemente da Espanha, através da Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina ao atuar como uma norma de caráter deontológico prevê a possibilidade de casais homoafetivos e pessoas solteiras recorrerem às técnicas reprodutivas. Porém, nas antigas regulamentações (1957/10 e a 1358/92) do Conselho Federal de Medicina sobre Reprodução Humana Assistida não havia tal previsão.
    Os casais homoafetivos devem ter assegurado o direito ao planejamento familiar e cabe ao Estado propiciar recursos para o exercício desse direito, conforme o art. 226§7 da Constituição da República. Ainda mais, o Estado não pode interferir na livre decisão do casal, pois estaria invadindo a privacidade e interferindo na vida reprodutiva dessas pessoas.
    Essa interferência é notória na Espanha, como visto na reportagem acima.
    Além disso, as novas tecnologias devem estar aliadas aos novos padrões familiares, portanto, nada mais justo que os casais homoafetivos e as pessoas solteiras possam recorrer a uma clínica reprodutiva para realizarem o desejo de ter filhos. Pois, não se pode ignorar a vontade procriacional.
    Por fim, há de se destacar a liberdade e a autonomia privada como essenciais para a elaboração de um projeto parental que visam à constituição de uma família.

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  3. Letícia Cruz Cerqueira24 de agosto de 2013 às 18:54

    A opinião exposta no comentário de Núria Roch possibilita um âmbito de discussões. Entre elas destaca-se a incoerência quando se observa que a pauta de vida boa de cada indivíduo precisa ser resultado de escolha do mesmo, inserindo-se no âmbito de sua autonomia privada. Sendo assim, uma mulher deve ter a liberdade de vivenciar uma relação homoafetiva e optar por gerar um filho por meio de reprodução assistida, não cabendo ao Estado interferir ou restringir essa decisão. Além disso, tem-se o papel do Estado é promover o bem de todos os cidadãos, sem discriminar os cuidados por sua sexualidade, possibilitando, sob tal lógica, a constituição de famílias diferentes do modelo imposto tradicionalmente (ponto esse que se adequa ao conceito atual das famílias). Neste contexto é fundamental mencionar, ainda, que possibilitar o acesso gratuito à reprodução humana assistida a todos os cidadãos é respeitar a dignidade e liberdade individual.

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  4. Parece tratar-se de, como foi dito no texto, "um recorte ideológico, não econômico". Quando o Ministério da Saúde diz ser o critério primordial para a realização dos procedimentos de RHA a "esterilidade" e, logo após, dá a entender que a desconsideração do direito de pacientes solteiras se justifica pelo fato da ausência de um parceiro não constituir "problema médico" faz transparecer a ideia do governo espanhol de que esterilidade é uma doença. Ora, mas o que é saúde? Trata-se de um conceito médico ou diz respeito à convicção pessoal do que seja uma vida boa? Para alguns pode representar um problema sério o fato de não se poder ter filhos por via natural ou por qualquer meio que seja e para outros não constituir perda alguma para a qualidade de vida. Esse critério de "saúde" é muito frágil quando a questão é fertilidade/esterilidade. Tal política consiste, em análise geral, no fornecimento de meios para o livre planejamento familiar. Tal facilidade, infelizmente, parece ser concedida apenas aos que mantém certo padrão familiar patriarcal na Espanha. Isto fere flagrantemente as garantias de um cidadão que vive num Estado Democrático de Direito, dentro do qual deveria lhe ser garantido o direito de viver a sua pluralidade. Além disso, há que se observar que, na Espanha, a restrição de idade possível para a realização de RHA é ainda maior do que a regulamentada pelo CFM no Brasil: 10 anos a mais para mulheres. Isso faz frente ao princípio da autonomia privada e, no Brasil, viola disposição constitucional - art.226,§7º - que garante o livre planejamento familiar; na dicção da CF/88: "vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas". Dentre as instituições abarcadas pelo dispositivo, certamente, se encontra o CFM.

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  5. Num Estado Democrático de Direito como o brasileiro, a tutela dos direitos das minorias torna-se indispensável para a efetivação do Princípio da Igualdade, insculpido na Constituição Federal de 1988; no caso espanhol, quando restringiram o acesso aos métodos de reprodução assistida a apenas mulheres estéreis, acredito terem ferido o supracitado postulado.Entretanto, penso não ter havido intuito discriminatório por parte do governo espanhol ao adotar a medida; de fato, o erário público não dá conta de suprir todas as demandas da população e, às vezes, torna-se necessário acolher critérios a fim de que pelo menos uma parcela seja atendida.Assim, penso que, talvez, o cerne do problema seja o critério adotado, qual seja o da esterilidade. Muitas mulheres, e não somente as lésbicas, desejam ser mães, mas sem ter que se envolver sexualmente com homens.Destarte, o projeto de lei espanhol deve ser revisto, a fim de que outro modo de escolha das mulheres a serem beneficiadas pelas técnicas de reprodução assistida, que atenda aos anseios do que se entende por democracia, seja implementado.

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  6. A nova Lei, que exclui as lésbicas dos programas de reprodução assistida, justificando-se por um corte de gastos devido à crise Europeia. O texto do novo dispositivo permite a utilização das técnicas apenas nos casos nos quais as mulheres não fizeram cirurgia de esterilização e, depois de 12 meses de coito vaginal, sem a utilização de contraceptivos e, mesmo assim, não atingir a gravidez.
    Deste modo, seria possível, inclusive, estender o alcance desta proibição não só para as homossexuais, mas também para as mulheres solteiras que desejassem ser mães utilizando-se deste método, sem necessidade de ter um companheiro.
    A justificativa dos elaboradores da lei e de seus defensores seria de que a reprodução assistida só atingiria as pessoas estéreis por terem sido acometidas por doenças que levaram a essa situação. As homossexuais e as mulheres solteiras, por serem saudáveis, estariam excluídas, portanto, do rol de abrangência da lei.
    Caberia, no entanto, ao Estado definir que seria saudável? Lembrando, novamente, que a simples "ausência de doença" não pode, na conjuntura atual, ser considerada como requisito de saúde humana, uma vez que esta também envolve as condições psíquicas e sociais. O projeto de vida boa só pode ser definido pela própria pessoa, cabendo ao Estado somente a tutela dos direitos fundamentais de cada um para que estes possam pôr em práticas seus projetos de vida. Neste caso, o Estado estaria se omitindo na defesa da autonomia privada destas mulheres, estabelecendo quais delas teriam a chance de constituir a família desejada, reforçando padrões sociais esdrúxulos sobre o que seria mais certo, normal e aceitável. Numa sociedade plural e multifacetada como encaramos nos dias de hoje, a produção de leis utilizando-se critérios axiológicos e sociais parece inconcebível, tendo que ser superada para evitar que descriminações como estas sejam efetivadas pelo próprio Estado.

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  7. O projeto de lei espanhol representa grave retrocesso em relação aos Direitos Humanos. Restringir a gratuidade das técnicas de reprodução humana assistida, segregando homossexuais e mulheres solteiras, apenas contribui para a marginalização destes grupos, perpetuando o caráter heteronormativo de uma sociedade que se busca superar.
    O propósito democrático da reprodução humana assistida é permitir que famílias, independente de sua composição, se homoafetiva ou heterossexual, possam realizar-se através da filiação, que não mais decorre da prática sexual e representa quase sempre, a efetivação do projeto de vida de duas pessoas, enquanto casal.

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