Marcelo Tas conta como sua filha Luiza se tornou seu filho Luc
Pela primeira vez, o apresentador e colunista da CRESCER conta sobre essa mudança na sua família. E Luc revela como foi se descobrir bissexual aos 15 anos, transexual aos 22 e agora, aos 25, estar casado com Nicholas, também transexual e hoje um homem feliz em um relacionamento homossexual
Por Daniela Tófoli - atualizada em 29/09/2014 10h42
Estávamos finalizando a CRESCER
de maio aqui na redação quando Tas, que é nosso colunista há quase cinco anos,
nos pediu: "Por favor, vocês podem trocar o nome da Luiza por Luc no fim
da minha coluna? Ele, agora, é oficialmente homem". A mudança foi feita imediatamente,
mas resolvi também fazer um pedido a ele: quando achasse que era a hora certa,
será que poderia nos dar uma entrevista, enquanto pai, contando como foi todo
esse processo na família dele?
Tas respondeu que, no tempo
apropriado, falaria. Os meses se passaram. No fim de agosto, a oportunidade
surgiu. Luc, que é advogado e mora em Washington, nos Estados Unidos, viria ao
Brasil a trabalho e ambos poderiam conversar conosco. De coração aberto, filho
e pai falaram sem medo sobre as descobertas, as transformações, os desafios, a
reação da família e o amor que permeia toda essa história. A seguir, um
aperitivo das entrevistas cheias de cumplicidade e orgulho de cada um. O
bate-papo na íntegra você confere na edição de outubro de CRESCER, que está nas
bancas.
LUC ATHAYDE-RIZZARO
CRESCER: Você se assumiu aos 15
anos. Como foi esse processo de se descobrir e de contar aos outros?
LUC: Com 15 anos eu contei aos
meus pais que eu era bissexual, ou seja, falei para eles sobre a minha
orientação sexual. O que ocorreu muito tempo depois, há mais ou menos três
anos, foi eu falar para eles que eu também sou transexual (ou simplesmente
“trans”), ou seja, que eu me identifico com um gênero diferente daquele que me
designaram quando eu nasci (basicamente, os médicos falaram que eu era uma
menina, e eles estavam errados). A orientação sexual de uma pessoa e a
identidade de gênero são coisas totalmente distintas, e não possuem qualquer
relação de causa e efeito. Assim, por exemplo, há pessoas cis (ou seja, pessoas
que não são trans) que são heterossexuais, gays, bissexuais, etc., e há pessoas
trans que são gays, bi, hétero, e por aí vai.
Respondendo à sua pergunta, ambos
os processos pelos quais eu passei – seja sobre minha identidade enquanto
pessoa trans seja enquanto bissexual – foram processos longos de
autodescobrimento, e que no final eram sobre minha realização como pessoa,
minha autonomia e minha felicidade. Eu (como muita gente, diga-se de passagem)
não me encaixo nessa narrativa do “sempre soube”. Foi algo gradual, muitas
vezes difícil de aceitar, especialmente sobre eu ser trans, mas que no final me
fez uma pessoa muito mais completa.
E como foi a reação do seu pai,
da sua mãe?
Olha, eu sou muito sortudo. A
realidade é que minha família sempre me apoiou em tudo. Eu contei que era bi
quando ainda era muito novo, e eles nem piscaram. Quanto a eu ser trans,
acredito que foi um pouco mais difícil, tanto para mim como para eles. Muitos
pais têm a impressão de que estão “perdendo” um filho ou uma filha quando eles
falam que se identificam com um gênero diferente ou têm um nome diferente do
que os pais deram. Acho que, em muitos casos, demora um pouco para se acostumar
e para entender que a sua criança é a mesma, que nada mudou. Que ela só está
mais feliz. No meu caso, para os meus pais, foi bem rápido até, mesmo eu
estando longe. Hoje em dia eles sempre usam os pronomes certos para se referir
a mim (ele/dele, etc.) e o meu nome (Luc).
TAS
CRESCER: Que memórias você tem do
Luc na infância?
TAS: De uma criança divertida, de
energia inesgotável e raciocínio rápido. Brinco de dizer que ficou assim porque
foi gerado em Nova York, onde morei por dois anos com a mãe dele, a figurinista
de TV e cinema Claudia Kopke, com direito a uma parada no Japão antes da gente
voltar ao Brasil onde ele nasceu no ano seguinte, em fevereiro de 1989. Luc tem
uma característica marcante: parece tímido mas depois que solta a língua
encanta a todos em torno dele, vive cercado de gente, até hoje é assim.
Ao falarmos sobre esta
entrevista, você disse que "na verdade, Luc sempre esteve lá como sempre o
vi, o conheci e o amei incondicionalmente". Quando ele contou sobre as
escolhas dele, você não foi pego de surpresa, então?
Uma novidade desse tamanho sempre
é surpreendente. Antes de tudo, devemos admitir que independente da orientação
– hetero, homo, trans, bi... – a sexualidade é um assunto que desafia e intriga
os seres humanos desde que o mundo é mundo. Por outro lado, creio que eu faça
parte talvez de uma primeira safra de pais que souberam acolher e tratar com
mais naturalidade a questão de forma transparente. A minha geração participou
ativamente da transição da ditadura para a democracia no Brasil, que também
significava mais liberdade de comportamento. Antes disso, é importante lembrar,
qualquer forma de orientação sexual fora do padrão aqui no Brasil era tratada
com ignorância e violência. Na verdade, em muitos lugares do país ainda é.
Vale deixar claro também que a
orientação sexual e a questão de gênero são assuntos absolutamente diferentes.
Reconheço na atual geração um comportamento muito tranquilo e natural no que se
refere a ambos os assuntos. Mesmo quando me sinto surpreendido por fatos novos
demais para mim, procuro cuidar para nunca deixá-los virar um preconceito que
me paralise. O desafio fundamental para pais, mães e filhos, independente do
que aconteça ao longo da convivência, é o afeto e a sinceridade estarem em dia.
Aí todo o resto se resolve.
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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