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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

'Vivia em um corpo que não era meu', diz transexual constrangida no Enem

0/10/2013 09h31 - Atualizado em 30/10/2013 15h56

Fonte: www.g1.globo.com

 

 'Vivia em um corpo que não era meu', diz transexual constrangida no Enem

 

Aos 14 anos, a estudante Ana Luiza Cunha assumiu a transexualidade.
Cearense tem apoio dos pais, quer mudar os documentos e fazer cirurgia.

 
 
Ana Luiza Cunha (Foto: Gabriela Alves/G1)'Nada é impossível' é um lema para a estudante Ana Luiza Cunha (Foto: Gabriela Alves/G1)
Ana Luiza conta os dias para completar 18 anos e mudar o nome nos documentos oficiais. No RG aparece seu nome de registro, Luiz Claudio Cunha da Silva, fato que causou constrangimento durante a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Desde 2011 ela resolveu mudar o que via no espelho e assumir como se sentia. "Sempre fui mulher por dentro, só não nasci assim. Vivia em um corpo que não era meu. Não aguentava me olhar no espelho com roupas de homem. Era doloroso", diz a jovem.
Até poder ser uma adolescente como tantas outras de 17 anos, vaidosa, que adora tirar fotos, redes sociais e cuidar dos cabelos, Ana Luiza teve de passar por um processo. Aos 14 anos, a estudante resolveu contar para os pais quem era. "Cheguei para minha mãe e disse: 'eu não me vejo como homem, não quero continuar a ser homem, estou vivendo uma realidade que não é minha, me ajuda'", afirma a adolescente.
A dona de casa e mãe de Luiza, Ana Claudia Cunha da Silva, lembra que passou noites acordadas pensando em como contar o caso para o marido, Fábio Luiz Ferreira da Silva. "Para mim foi muito difícil no começo. Foi uma pancada. Até porque eu não tinha conhecimento. Ele (Fábio) encarou melhor e disse logo 'vamos ter calma'". Mesmo com desinformação sobre transexualidade, o casal afirma que deu apoio incondicional à filha desde o início.
Ana Luiza Cunha (Foto: Gabriela Alves/G1)Estudante diz que sempre teve o apoio da família
(Foto: Gabriela Alves/G1)
"Isso não tem fórmula, não tem um livro que vai dizer como criar um filho assim. Só sei que tem que ter diálogo e amor. Isso nós temos", diz o pai, que não esconde o orgulho da inteligência e da coragem da filha 'Lu', como os familiares a chamam. Além da amizade dos pais, o irmão, João Flávio, é um dos maiores confidentes. "Sempre dizia tudo para ele. Ele foi o primeiro a saber. Até já pegou briga na escola por minha causa", diz a transexual.
Mudanças
Ana Luiza morava com a família em Barreiras, na Bahia. Quando os pais voltaram para Fortaleza, em 2011, viu a oportunidade de mudar. “Antes, era uma coisa bem neutra porque tinha muito medo de preconceito, mas nunca conseguia gostar de coisa de menino. Como morava no interior, todo mundo me conhecia e tinha medo”, diz.
Na capital cearense, Ana Luiza deixou o cabelo crescer e passou a vestir roupas de mulher. O nome social havia sido decidido em Barreiras. "Minha mãe sempre dizia que, se tivesse uma filha, seria Ana Luiza. Agora, ela tem a filha que sempre quis", afirma. E as mudanças devem continuar, a jovem que usa um truque com o sutiã para dar mais volume ao colo  conta que está com consulta marcada para dar início a um tratamento hormonal.
Na escola, Ana Luiza passou a assinar as provas com o nome social em 2012. "Assinava 'Luiz Claudio' e, entre parênteses, coloca 'Ana Luiza'. Até que fui chamada na coordenação, perguntaram o que estava acontecendo. Eu tive aceitação total. Na chamada desse ano, nos documentos que vêm da escola para minha casa, todos vêm com Ana Luiza. Vendo que todo mundo me tratava assim, me sinto muito feliz e cada vez mais certa que sou mulher."
Vendo que todo mundo me tratava assim, me sinto muito feliz e cada vez mais certa que sou mulher"
Ana Luiza
Para o pai, o ambiente escolar foi o primeiro teste do que Ana Luiza poderia enfrentar fora de casa. Como Luiz Cláudio, a relação com a escola era outra. "Não ia ao banheiro na escola, pedia para usar o banheiro dos professores", diz Luiza.
A estudante planeja cursar arquitetura e morar no Canadá. Ela também pensa em fazer cirurgias como a de mudança de sexo, mas sabe que precisa chegar aos 18 anos para fazer as intervenções. “Não sei se vou fazer pelo SUS (Sistema Único de Saúde) porque a fila é imensa. Sei que preciso de muitos laudos médicos, mas quero fazer. Vai ser quando vou ser mulher totalmente.” Os pais apoiam a decisão de Ana Luiza de fazer a cirurgia de mudança de sexo e, desde que souberam que a filha era transexual, a levaram para um acompanhamento psicológico.
Ana Luiza mostra o RG que aparece em foto com aparência masculina e a assinatura como 'Luiz Cláudio'; G1 noticiou que fiscais do Enem a retiraram da sala (no destaque) (Foto: Gabriela Alves/G1))Ana Luiza mostra o RG que aparece em foto com aparência masculina e a assinatura como 'Luiz Cláudio'; G1 noticiou que fiscais do Enem a retiraram da sala (no destaque) (Foto: Gabriela Alves/G1))
Constrangimentos
Quando realizou a prova do Enem no fim de semana, Ana Luiza foi levada a outra sala para que fiscais conferissem se a candidata era a mesma da identidade, que tem a foto dela ainda com aparência masculina. "Estou totalmente diferente da foto da identidade. Estava preparada para o que aconteceu. Mas, como na minha sala só tinha homem, fiquei com medo de fazerem chacota e piadinha. Tanto que deixei todos os documentos virados, não mostrei para ninguém, só para os fiscais. Acho normal o procedimento, não achei legal o fato de ser levada para outra sala”. A jovem não conferiu o gabarito das provas, mas disse que se saiu bem nas provas de humanas.
Luiza diz que esse episódio não foi o primeiro constrangimento como transexual. Ela conta que já foi barrada em provadores femininos quando tinha uma aparência masculina e impedida de entrar no cinema. “Quando compro meia e olham para minha carteira de estudante pensam que é de outra pessoa. Também evito ir para hospitais porque sempre chamam meu nome do registro em voz alta.”
Muitos perguntam: 'Se eu gostar de você, eu sou gay?' Eu sou uma mulher. A maioria não entende. A questão do gênero é uma coisa. A questão de com quem eu quero me relacionar é outra"
Ana Luiza
Repercussão
Com a repercussão depois da prova do Enem, Ana Luiza diz que foi procurada nas redes sociais por pessoas com dúvidas sobre a sexualidade. "Quem vive uma situação como a minha tem de ter amor próprio e a vontade de realizar o sonho. No meu caso, eu tive apoio da família. Mas tem gente que não tem, ainda é uma realidade ser expulso de casa", diz.
Por meio de grupos na internet, ela soube de outras histórias de transexuais. "Tenho amigas que tiveram que ir ao caminho da prostituição por causa de rejeição. Porque não conseguiram emprego e apoio de ninguém”, lamenta.
Além de ajudar outras pessoas, desde a realização do Enem, a adolescente conta que o número de cantadas e pedidos de namoro aumentou. "Se me aceitarem do jeito que eu sou e eu estiver apaixonada, vou namorar. Muitos perguntam: 'Se eu gostar de você, eu sou gay?'", revela Ana Luiza. "Eu sou uma mulher. A maioria não entende. A questão do gênero é uma coisa. A questão de com quem eu quero me relacionar é outra."
 
 
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito

5 comentários:

  1. Os direitos e garantias fundamentais previstos na constituição e no código civil ainda não estão plenamente garantidos aos transexuais. Ainda não há lei específica que resguarde o direito de adequação sexual e suas consequências jurídicas. A psicologia entende o transexualismo como uma patologia que leva o indivíduo à inconformidade entre o sexo biológico e psíquico. Logo, é imprescindível que a pessoa se identifique com o corpo que possui para que não tenha a integridade psíquica prejudicada. A Comissão Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das liberdade Fundamentais considera a cirurgia de transexualismo como uma "conversão curativa". Uma grande inovação, talvez a mais importante do ordenamento jurídico brasileiro, foi a portaria 1707 de 2008 que institui que o SUS conceda a cirurgia de transgenitalismo à todos os brasileiros que queiram mudar de sexo. Mesmo com alguns reconhecimentos, ainda há uma barreira moral de social para estes indivíduos como, por exemplo, o processo judicial para mudança de nome. A lei de registros públicos permite a alteração apenas para casos de prenomes que expõem os titulares ao ridículo. Alguns magistrados não consideram a mudança de sexo como uma causa para mudança de nome e tornam o processo de efetivação da mudança de sexo, em âmbito jurídico, mais difícil. A ausência de regulamentação na forma de lei para garantir a liberdade, a dignidade, a individualidade e pessoalidade dos transexuais fazem com que estas pessoas busquem a analogia, interpretação e outros meios jurídicos. A Ana Luiza estará sujeita a todos esses tipos de dificuldades jurídicas e morais para garantir os seus Direitos personalíssimos mas, considerando a jurisprudência marjoritária, obterá êxito em seus objetivos.

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  2. O caso exposto na matéria,'' 'Vivia em um corpo que não era meu', diz transexual constrangida no Enem'', nos demonstra a clara necessidade de reconhecimento jurídico da emergente diversidade de gêneros, para que sejam tutelados pelo Direito.
    No objetivo de se solucionar tais questões devemos recorrer aos estudos produzidos pelo Biodireito, ao qual é a doutrina jurídica responsável por abarcar esses tipos de problemas sociais, já que não existem normas de cunho obrigatório na finalidade de proteger o direito desses indivíduos.
    Logo, o caso de Ana Luiza, brasileira nata, deve ser analisado sobre os "olhos" dos princípios fundamentais da Constituição de 1988, em que o Estado Democrático de Direito assegura a dignidade da pessoa humana( art. 1º,III,CF/88), a autonomia privada( art. 5º, caput, CF/88) e a cidadania (art. 1º,II,CF/88). Assim, esta cidadã após ser observada por uma psicóloga e alertada sobre os efeitos e a irretroatividade da cirurgia de mudança de gênero, deverá ter o direito assegurado de alterar seus documentos e sexo, mediante a uma hermenêutica pós-positivista aplicada na norma para que essa possa se adequar a situação.

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  3. Essa história de vida da Ana Luíza tem um componente que merece uma atenção especial, trata-se do apoio (ao que parece incondicional) oferecido por sua família no enfrentamento da questão. O fato de obter o carinho e apoio dos pais, ao mesmo tempo que alivia a carga desse drama pessoal, propõe algo que deveria ser a média da concuta social: a compreensão do indivíduo como sujeito de direitos, independente de sua determinação sexual.
    A notícia chama atenção pelo constrangimento, ou constantes constrangimentos, sofrido pelo jovem que se auto determina psicologicamente diferente e por sua decisão em assumir a transexualidade. No contexto do atual estado democrático de direito cabe ao Estado assegurar o exercício da autonomia de cada indivíduo garantindo sua individualidade e direitos individuais fundamentais. Ainda que esses direitos não estejam positivados. A questão que se apresenta, todos sabemos, é que existe um abismo imenso entre o mundo da vida e o mundo da lei. Nossa realidade está eivada de preconceito,(acentuado ainda mais no norte do país), desconhecimento e medo do novo. Não é nada agradável ser motivo de chacotas e piadas e a todo momento ter de ficar se explicando que sou Maria e não João . Sonho com o tempo em que estejamos tão educados no amor e na tolerância (daí a necessidade de um novo paradigma para nossa educação - mas isso é matéria para outro comentário) que tal fato não soasse como notícia jornalística e fosse sim, mera concessão de um direito pontualmente requerido. Que o exemplo dessa família nos ensine que respeito e a dignidade a pessoa humana começa em casa.

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  4. Esse caso da estudante Ana Luiza Cunha é um exemplo do significado de transexualismo, que pode se dizer como a condição que uma pessoa se identifica como sendo do gênero oposto ao sexo refletido pelo corpo, ou seja, sexo psicológico oposto ao sexo biológico. Assim, por essa questão de gênero, os transexuais acabam passando por várias situações constrangedoras e sendo até mesmo excluídos da sociedade. Hoje, as pessoas estão se assumindo mais e por isso, o número de transexuais também está aumentando, uma vez que, esses com coragem revelam ao mundo sua verdadeira identidade, não aquela descrita em um documento oficial, mas aquela que a pessoa vive e sente. Vivemos em um país democrático e está na hora de questões como essas serem legalizadas mais facilmente e evitar transtornos na vida desses seres humanos, que são iguais perante a lei e têm direitos como todos os cidadãos.

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  5. O tema em voga atualmente faz parte dos assuntos em déficit na legislação brasileira haja vista a resistência ainda muito grande de aceitação das diferenças pela sociedade.
    Ao adentrarmos nesta esfera observamos que a cirurgia de adequação de sexo, atualmente autorizada no Brasil (regulada pela resolução nº 1.955/2010 do CFM) e fornecida pelo SUS, se trata de uma cirurgia de caráter terapêutico, como uma forma de reconhecimento do direito de todos os cidadãos a uma vida digna. Para o transexual além da cirurgia e quiçá primordialmente a ela, este busca o reconhecimento de sua identidade sexual no meio em que vive, implicando em aceitação e realização daquilo que biologicamente não lhe é agradável. Negar sua condição e realidade seria uma afronta ao Estado Democrático de Direito e diretamente a dispositivos constitucionais como o tratamento igualitário e proteção às minorias. Destarte, os documentos do transexual (assim como de todos nós) são vistos como uma forma de individualização dele no meio em que vive, porém no momento em que há uma contradição com o que se mostra na realidade e no registro, este deixa de ser um meio de facilitação na inserção profissional e social e passa a se tornar um constrangimento como o presente na reportagem, gerando desrespeito ao seu direito à intimidade e inviolabilidade da vida privada.
    Jurisprudências neste sentido afirmam estarmos diante de violações aos direitos de personalidade, tais como a honra e os já citados acima, gerando discriminações decorrentes da ‘especial’ condição do transexual, o que é vedado pelo art. 3°, IV da CR/88. Assim, aquele que se submete a cirurgia de transgenitalização, ou mesmo aqueles que não se submetam a ela, possuem direito de se autodeterminarem, confirmando o livre exercício da dignidade da pessoa humana haja vista que não há proibição em nosso ordenamento jurídico a alteração do prenome e sexo nesses casos, o tornando possível, porém vale dizer que em sua maioria, a alteração é feita com ressalvas no documento a respeito da decisão judicial que o reconheceu.

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