Não se trata de hipótese de diretivas antecipadas de vontade. Isso porque o ato jurídico consistente em diretivas antecipadas de vontade apenas produz efeito quando a pessoa estiver incapacitada de expressar, livre e autonomamente, sua vontade, conforme bem salientada na própria resolução 1995. O que não era o caso, conforme se verifica no teor do próprio acórdão. O que o MP queria era a supressão judicial de vontade de uma pessoa capaz que se recusava ao tratamento médico que lhe era possível. Agora, se este sujeito não estivesse em condições de expressar algum tipo de vontade, aí sim poder-se-ia tratar de DAV, podendo pensar em uma antecipação de vontade em possível prontuário médico.
Se a pessoa está em condições de manifestar vontade para recusar tratamento médico, não há que se falar em efeitos do exercício de uma autonomia prospectiva. A AUTONOMIA É PRESENTE e foi isso que o TJRS resguardou. Assim, desnecessário para resolver o caso qualquer menção à Res. 1995 do CFM. Também não haveria necessidade de constar da ementa do acórdão que o paciente elaborou testamento vital.
CEBID
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Notícias
25
novembro
2013
TESTAMENTO VITAL
O paciente que desiste da vida, preferindo morrer a se submeter à cirurgia, tem a sua autonomia da vontade reconhecida na Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina. Esta manifestação, chamada pela norma de Testamento Vital, diz que não se justifica prolongar um sofrimento desnecessário em detrimento da qualidade de vida do ser humano.
O entendimento levou a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a confirmar decisão que garantiu a um idoso o direito de não se submeter à amputação do pé esquerdo, que viria a salvar sua vida. Assim como o juízo de origem, o colegiado entendeu que o estado não pode proceder contra a vontade do paciente, como pediu o Ministério Público, mesmo com o propósito de salvar sua vida.
Além da Resolução do CFM, o relator da Apelação, desembargador Irineu Mariani, afirmou no acórdão que o direito de morrer com dignidade e sem a interferência da ciência (conhecida como ortotanásia) tem previsão constitucional e infraconstitucional.
Explicou que o direito à vida, garantido pelo artigo 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade humana, previsto no artigo 2º, inciso III, ambos da Constituição Federal. Isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. Entretanto, em relação ao seu titular, o direito à vida não é absoluto, pois não existe obrigação constitucional de viver. Afinal, nem mesmo o Código Penal criminaliza a tentativa de suicídio.
No âmbito infraconstitucional, Mariani citou as disposições do artigo 15 de Código Civil: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica’’.
‘‘Nessa ordem de ideias, a Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter à cirurgia ou tratamento’’, concluiu, sem deixar de considerar que o trauma da amputação pode causar sofrimento moral. O acórdão foi lavrado na sessão dia 20 de novembro.
Álvará judicial
O Ministério Público ingressou na Justiça estadual com pedido de Alvará Judicial para suprimento da vontade do idoso e ex-portador de hanseníase (lepra) João Carlos Ferreira, que mora no Hospital Colônia Itapuã (HCI), localizado em Viamão, município vizinho a Porto Alegre.
Diagnosticado com necrose no pé esquerdo desde 2011 e em franco definhamento, ele vem recusando a amputação, cirurgia que poderia salvar a sua vida. Se não o fizer, corre o risco de morrer por infecção generalizada. O idoso, de 79 anos, não apresenta sinais de demência, mas foi diagnosticado com quadro de depressão.
Conforme o laudo da psicóloga que o atende, ‘‘o paciente está desistindo da própria vida vendo a morte como alívio do sofrimento”. Assim, segundo o MP, o paciente estaria sem condições psíquicas de recusar o procedimento cirúrgico. Em síntese, a prevalência do direito à vida justifica contrapor-se ao desejo do paciente.
O juízo da Comarca de Viamão indeferiu o pedido de amputação, negando a concessão do Alvará. Argumentou que o paciente é pessoa capaz, tendo livre escolha para agir e, provavelmente, consciência das eventuais consequências. Assim, não cabe ao estado tal interferência, ainda que porventura possa vir a falecer. Desta decisão é que resultou recurso de Apelação ao TJ-RS.
Clique aqui para ler a íntegra da Resolução do CFM.
Clique aqui para ler o acórdão.
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
É louvável a atitude dos juristas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao resguardarem o direito de escolha do paciente acima citado. A autonomia do mesmo prevaleceu, já que este tem total capacidade para decidir por si, apesar das alegações feitas pelo representante do Ministério Público, tais não foram consideradas, já que a depressão não afasta o discernimento do paciente, deste modo, seus anseios e vontades não devem ser mitigados, ademais se tal mitigação basear-se em argumentos construídos por sujeitos, que não conhecem as reais necessidades do idoso. Se a dignidade do mesmo for resguardada pela não submissão à cirurgia e no Brasil a ortotanásia não é proibida, é correto que seja mantido o "direito à vida" ao invés do "dever à vida".
ResponderExcluirA notícia de proposição pelo Ministério Público na Justiça estadual de um Alvará com pedido de suprimento da vontade do idoso e ex-portador de hanseníase, João Carlos Ferreira, que mora no Hospital Colônia Itapuã (HCI), localizado em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre RS, traz à tona uma discussão principiológica concernente à dignidade da pessoal humana e autonomia privada. Não por acaso, essa é uma discussão que suscita vários posicionamentos, que vão desde uma defesa a qualquer custo do bem jurídico vida, até a fundamentação da dignidade da pessoa humana e o exercício de sua vontade. Não obstante estivesse com a saúde debilitada, a capacidade de se autodeterminar do Sr. Ferreira, ao que parece, não foi comprometida, cabendo ao direito assegurar o exercício de sua vontade consciente e autônoma. A questão chave para o entendimento desse caso, todavia, talvez fosse o quanto a depressão comprometeu a capacidade de autodeterminação do Sr. Ferreira. Isso, uma vez comprovado, obviamente, torna a ação do MP louvável. O fato é que o direito por si só não é capaz de decifrar a complexidade do homem e da vida pós moderna. Na contramão do vanguardismo típico dos operadores do direito do Sul, o MP extrapola a intervenção do Estado na tentativa de embargar o exercício da autonomia do Sr. Ferreira. De qualquer modo, penso que se trata de uma oportunidade impar para se discutir a forma como se dão as interdições e suprimentos judiciais, que, não raras vezes, são conduzidas sem o suporte de outras ciências e outros conhecimentos locais (metis). Há casos em que a realidade extrapola a seara do direito, daí a necessidade de se avançar para fora do positivismo arcaico e analisar os casos concretos considerando outras variáveis da vida vivida.
ResponderExcluirEssa decisão do TJRS apresenta a discussão acerca da rejeição do paciente pela intervenção cirúrgica, ao tratar dos fundamentos legais que possam garantir o exercício da livre manifestação de vontade, no sentido dele não ser obrigado a submeter ao tratamento médico a fim de salvar sua vida, mas ter direito de escolher, com base no seu discernimento, a não prolongar a sua vida.
ResponderExcluirSegundo o entendimento do tribunal, determinou-se que o estado não pode proceder contra a vontade do paciente, como pediu o Ministério Público, mesmo com o propósito de salvar a vida, isso porque é necessário levar em consideração a ponderação entre o direito à vida e o princípio da autonomia privada do paciente, buscando a solução mais adequada e justa ao caso concreto. Além disso, destacou que se fosse admitido a cirurgia poderia causar um sofrimento moral, resultando na violação ao direito de personalidade do mesmo. Dessa forma, a decisão sustentada foi favorável ao direito da parte de rejeitar ao tratamento médico, a fim de resguardar sua autonomia privada e o princípio da dignidade do ser humano.