Testamento vital permite ao paciente decidir que tratamento médico terá
Ainda novo no país, documento lavrado em cartório foi feito por 552 pessoas este ano
POR CAROL KNOPLOCH
26/11/2015 6:00
RIO — O testamento vital ainda é pouco conhecido no Brasil.
Não tem relação com o patrimonial: trata-se de um documento no qual uma pessoa
indica a quais tratamentos e procedimentos deseja ou não ser submetida em casos
de doença grave ou de incapacidade de verbalizar suas vontades. O testamento
vital pode informar, por exemplo, se o paciente rejeita técnicas como
reanimação cardiorrespiratória ou ventilação mecânica.
— Os médicos devem valorizar o documento e, em respeito aos
desejos do paciente, avaliar quais procedimentos são adequados ou
desproporcionais — explica Filipe Gusman, presidente da Regional Sudeste da
Academia Nacional de Cuidados Paliativos. — O especialista tem de mostrar que
uma diálise, por exemplo, pode ser importante no caso de uma complicação aguda
e potencialmente reversível. Mas é uma ação desnecessária num quadro de doença
grave, pode apenas prolongar o sofrimento.
Segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), de 1º janeiro a
18 de novembro, 552 pessoas lavraram testamentos vitais ou Diretivas
Antecipadas da Vontade em cartórios. O levantamento mostra que a busca por esse
tipo de registro vem crescendo. Para se ter uma ideia, ao longo de todo o ano
passado, foram elaborados 549 documentos, número três vezes maior que o de
2012, ano em que o Conselho Federal de Medicina (CFM) passou a reconhecer o
testamento vital por meio da Resolução 1995/2012.
Para anular completamente o risco de um processo judicial
por omissão de socorro, a advogada Luciana Dadalto, doutora em Ciências da
Saúde, afirma que seria necessário existir, no Brasil, uma legislação que
regulamentasse o testamento vital. Segundo ela, alguns países europeus têm
bancos de dados com esses documentos, que podem ser consultados por médicos, e
aproximadamente 45% da população americana fazem testamentos vitais.
— Precisamos regulamentar o testamento vital com respostas
para algumas perguntas. Menor de idade pode fazê-lo? Deve ser registrado em um
cartório? É necessário uma testemunha? O meu conselho é elaborar o documento
com o auxílio de um médico de confiança e um advogado, para evitar que a pessoa
peça, por exemplo, injeção para agilizar a morte, o que é proibido. Assim,
evita-se que o documento seja anulado judicialmente — diz Luciana,
acrescentando que o testamento pode ser modificado pelo paciente.
ADVOGADA: NÃO É PRECISO ESTAR DOENTE
De acordo com a advogada, a pessoa que faz um testamento
vital pode designar um (ou mais) representante para tomar decisões em seu nome:
— A pessoa não precisa ficar doente para tomar essa
iniciativa. Acho que é dever de toda a classe médica esclarecer dúvidas em
relação ao testamento vital.
A também advogada Tânia da Silva Pereira, de 68 anos, pensa
da mesma forma. Ela fez um testamento vital e apresentou o documento à família.
— Eu e meus filhos estamos em entendimento em relação aos
meus desejos. Conhecendo o que considero prioritário, eles saberão dar o
encaminhamento necessário diante de eventuais dúvidas por parte de médicos.
Eles sabem, inclusive, que sou doadora de órgãos, caso os mesmos possam ser
úteis para outras pessoas — comenta Tânia.
Ela conta que passou a se questionar sobre o assunto há dez
anos, quando uma tia faleceu. Tânia escreveu o livro “Vida, morte e dignidade
humana” com outras duas autoras.
— Vivenciei os dias finais de uma tia muito querida e tive a
oportunidade de refletir sobre uma existência plena e a possibilidade de uma
morte com dignidade — diz Tânia, que esteve ao lado dela até o último minuto. —
Viúva e sem filhos, minha tia pediu para que a deixassem morrer em casa. Ela
não queria ficar entubada no CTI, num lugar onde a luz fica sempre acesa, em
meio a pessoas desconhecidas e tagarelas.
Fernando Kawai, diretor do programa Cuidados Paliativos
Multidisciplinar do Hospital Presbiteriano de Nova York e professor assistente
de Medicina na Universidade Cornell, destaca que, nos Estados Unidos, já há
diferentes tipos de testamentos vitais:
— Foi criado, por exemplo, um documento com quatro itens de
múltipla escolha. As pessoas assinalam as opções que desejam. Foi pensado para
ficar à vista, colado numa geladeira, para qualquer eventualidade. No exterior,
o paciente tem muito mais autonomia que no Brasil. Aqui, a medicina ainda é
centrada no médico.
CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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