A Morte é Minha
Por Maria Filomena Mónica
ACABA de ser promulgada, com o apoio de todos os partidos, a Lei n.º 25/2012 que regula o que o legislador designou como «Directiva Antecipada de Vontade», DAV. Não sendo jurista, tenho dificuldade em detectar alçapões, mas espero que, caso se revele necessário emendar algum ponto, isso seja feito. Uma vez que o formulário, a ser elaborado pelo Ministério da Saúde, é de utilização facultativa, a sua redacção não me preocupa.
Não pensem que desejo viver sob um Estado que legisla sobre tudo e mais alguma coisa. De facto, preferiria viver num mundo sem demasiadas regras, mas sei que, neste caso, é impossível. Para o bem e para o mal, o progresso da Medicina mudou a face da terra, fazendo com que a forma como hoje morremos seja diferente da do passado. Em muitas situações, o doente terminal depara-se com um clínico que não só tem de obedecer às leis da Nação e às regras deontológicas da Ordem dos Médicos, mas que nem sequer o conhece. Daí a urgência desta lei.
Infelizmente, não consigo prever o dia e a hora em que morrerei, mas sei que, caso se verifique a necessidade de tomar uma decisão quanto à forma como lidar com o meu corpo, quero ser eu a pronunciar-me, o que evidentemente só será possível se a minha cabeça ainda funcionar. Inquieta-me assim a perspectiva de terem de ser os membros da minha família a interpretar os meus desejos, pois não quero deixar tal encargo àqueles que amo. Logo que possível, irei registar o meu testamento vital.
Este problema não me atinge apenas a mim. Enclausurados em corpos demasiado frágeis para se poderem exprimir, muitos doentes terminais estão impossibilitados de morrer como pretendiam. O avanço da tecnologia médica, que permite a existência de doentes conservados em sistemas de apoio, depois de a vida, tal como eu a entendo, haver desaparecido, tem levado a situações complicadas não só para o próprio e suas famílias mas para os clínicos. Estes tão depressa são criticados por terem optado pela «obstinação terapêutica» como por terem «desligado a máquina». Só o testamento vital permitirá resolver esta questão.
Quem desejar escolher a forma como será tratado antes de enfrentar o «medonho muro», como Cesário Verde designou a morte, deverá redigir o documento previsto nesta lei o mais depressa possível. Nada há de dramático nem de lúgubre no acto de o fazer. Sei-o, porque a 23 de Março de 2005, ou seja, mesmo antes da promulgação desta lei, o redigi, tendo-o entregue aos meus filhos e ao meu marido. Agora, depois de reconhecida a minha assinatura – era lá possível passar-se, em Portugal, sem uma ida ao notário! – bastar-me-á colocar os dados na RENTEV (Registo Nacional do Testamento Vital). Por virem a propósito, termino com as belas linhas do Eclesiastes, 3: «Todas as coisas têm o seu tempo e tudo o que existe debaixo dos céus tem a sua hora. Há tempo para nascer e tempo para morrer; tempo para plantar e tempo para se arrancar o que se plantou; tempo para matar e tempo para dar vida».
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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