26/07/2012 06h39 - Atualizado em 26/07/2012 09h33
Mariana Feola, 29, filha de Ana Maria Braga, teve Joana, 1, no quarto.
Ela critica decisão do Cremerj de proibir médicos de fazer parto domiciliar.
Glauco Araújo
Do G1, em São Paulo
Mariana Maffeis Feola, de 29 anos, abraça sua filha Joana, que nasceu durante parto domiciliar (Foto: Arquivo Pessoal/Marcelly Ribeiro)
A opção de dar à luz o bebê em casa é uma decisão que deve ser da mãe e não do médico obstetra. Essa é a opinião da comerciante Mariana Maffeis Feola, de 29 anos, que teve sua filha Joana, de 1 ano e 6 meses, no quarto de sua casa em São Paulo, em fevereiro de 2011. Ela questiona o posicionamento do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), que anunciou
proibição e punição a médicos que atuem em partos domiciliares.
Mariana, que é filha da apresentadora Ana Maria Braga, considera a medida do conselho retrógrada. "Os representantes do Cremerj não são deuses para proibir as mulheres de terem seus filhos em casa. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende o direito da mãe de escolher. O que acontece no Brasil é que há um cartel das maternidades, que age em prol das cesarianas, para o lucro maior dos médicos. Esse é um modelo falido, como já mostram países mais desenvolvidos. Alguns estados são retrógrados e provincianos. Com certeza, o Cremerj vai ter de voltar atrás porque o que estão fazendo é um retrocesso absurdo."
"É uma pena esse cenário brasileiro e até mesmo a ignorância das mulheres, que permitem que os médicos interfiram nesse momento tão especial"
Segundo ela, o parto tem seu "tempo natural". "Quanto mais intervenções forem colocadas nesse momento, mais chances de ocorrer problemas para a mãe e para o bebê." No caso dela, o processo ativo de parto durou cerca de oito horas.
Mariana teve o acompanhamento de duas enfermeiras obstetrícias e de uma doula (mulher que oferece apoio emocional para a parturiente antes, durante e após o parto). "A minha recuperação pós-parto foi imediata. Já pude cuidar da minha filha logo após o nascimento, pude amamentá-la em seguida."
Ela relata que o parto é um trabalho dos dois: do bebê e da parturiente. "Não pode haver intervenção nessa relação. É uma pena esse cenário brasileiro e até mesmo a ignorância das mulheres, que permitem que os médicos interfiram nesse momento tão especial. É assim que nascemos, naturalmente, há milênios."
Mariana abraça sua filha Joana, que nasceu durante parto domiciliar (esq.) e em seguida comemora com sua doula Marcelly Ribeiro (Foto: Arquivo Pessoal/Marcelly Ribeiro)
Preparação
Segundo Mariana, o período de preparação para o parto domiciliar foi grande. "Todas as mulheres que optam por esse processo, que é fisiológico, procuram desde bibliografia, encontros com gestantes, fazem consultas de pré-natal, procuram as doulas e ouvem profissionais que participam de partos naturais."
Ela diz ter optado pelo parto em casa após se decepcionar com o acompanhamento feito pelo médico obstetra. "No terceiro mês de gestação comecei a frequentar um grupo de gestantes com essa experiência. Troquei de médico obstetra. Ele nem soube da minha decisão. Percebi que o modelo de assistência dele não condizia com os meus ideiais e meus princípios. No sétimo mês eu passei a ter apenas acompanhamento exclusivo das enfermeiras. Para o momento do parto, tive um médico obstetra de plantão (que não foi acionado), caso ocorresse a necessidade de uma remoção para o hospital."
Mariana diz que, antes da gravidez, sabia desse tipo de modelo de parto. "Tinha conhecimento de que, no exterior, em países de primeiro mundo, ele é muito adotado, é um modelo obstétrico bastante estudado. Cada vez mais se vê a presença de enfermeiras obstetrícias e das doulas apoiando as gestantes de baixo risco. Entrei nesse mundo quando fiquei grávida mesmo. Estudei muito para isso. A leitura e os relatos de partos domiciliares foram muito importantes para mim."
Mariana amamenta sua filha Joana logo após o parto domiciliar (Foto: Arquivo Pessoal/Marcelly Ribeiro)
"Isso (decisão do Cremerj) vai contra toda a literatura internacional que indica o parto normal como mais eficaz e seguro para o bebê e para a mãe"
Marcelly Ribeir, doula
Papel do pai
A decisão pelo parto domiciliar tem de ser conjunta, segundo Mariana. "Meu marido acompanhou todas as reuniões. Foi uma decisão conjunta. O seu companheiro precisa ter 100% de certeza que você será capaz de fazer o parto. Meu marido foi muito importante na ocasião do parto. Ele fez algumas massagens que aliviaram a dor, deu apoio físico e moral. É um nascimento orgânico e o ambiente domiciliar é mais confortável e insubstituível."
Hoje, Joana está com 1 ano e 6 meses, saudável e ainda amamentando. "Vou amamentar por tempo indeterminado. Nunca gostei de mamadeira, nunca gostei de leite de vaca, que nunca tomei e não quero ver isso dentro de casa", diz Mariana.
Decisão polêmica
As resoluções do Cremerj de proibir e punir disciplinarmente médicos que participarem da realização de partos domiciliares têm causado polêmica. O conselho já havia acionado o órgão de São Paulo contra um médico que defendia o parto em casa. O depoimento dele foi exibido em uma reportagem sobre o assunto no Fantástico.
A decisão causou revolta em profissionais que atuam na área. O Cremerj publicou duas resoluções na última quinta-feira (19). Uma delas proíbe que médicos façam partos em casa. A segunda proíbe que as doulas acompanhem os partos nas maternidades.
O Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ) informou que vai entrar, até a sexta-feira (27), com uma ação civil pública contra as resoluções 265 e 266/2012 do Cremerj.
Humanização do parto
Dados do Ministério da Saúde sobre partos realizados no país, somando informações das redes pública e privada, mostram que o nascimento de bebês por cesariana já é maior do que a quantidade de partos naturais. Em 2010, dado mais recente do governo, foram 1,49 milhão de cesarianas contra 1,36 milhão de partos naturais.
De acordo com o governo federal, 98% dos partos realizados no país são hospitalares, mas diversas ações estão sendo feitas para que as mulheres tenham um parto humanizado, que significa ter uma “ambiência adequada, equipes qualificadas, tecnologia disponível, direito acompanhante e tratamento digno”.
Sobre a decisão do Cremerj, de vetar a presença de doulas e parteiras, o ministério afirma que as doulas são um “instrumento humanizador” do parto e reconhece que a assistência prestada pelas parteiras é uma realidade em diversos locais do país. Por conta disto, investe na capacitação dessas profissionais, integrando-as ao trabalho feito no Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, de acordo com o governo, as decisões anunciadas pelo Cremerj não afetam as políticas federais para a saúde.
"Sou otimista sobre a decisão do Cremerj de proibir e punir os médicos e de impedir a atividade das doulas durante os partos domiciliares. Acho que terão de voltar atrás. Isso vai contra toda a literatura internacional, que indica o parto normal como mais eficaz e seguro para o bebê e para a mãe", diz Marcelly Ribeiro, doula que acompanhou o nascimento de Joana e prestou assistência para Mariana durante o parto em casa.
Mariana diz que sua recuperação pós-parto domiciliar foi imediata (Foto: Arquivo Pessoal/Marcelly Ribeiro)
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito