O Dia Mundial de Cuidados Paliativos tem o que comemorar no Brasil?
07/10/15 15:46
Ana Claudia Arantes, médica especialista em cuidados paliativos, recebeu os resultados do novo ranking publicado pela revista “The Economist”(organizado pela consultoria britânica Economist Intelligence Unit – EIU), sobre a qualidade do morrer mundo afora, com pouca euforia. Dentre os 80 países analisados, o Brasil ficou em 42° lugar.
A notícia chega perto do Dia Mundial de Cuidados Paliativos (em inglês:World Hospice and Palliative Care Day), uma data para celebrar e oferecer suporte a hospices e cuidados paliativos ao redor do mundo. Ela ocorre todo segundo sábado de outubro e sua temática varia. Nesse ano, a data é 10 de outubro, com o tema “vidas esquecidas, pacientes ocultos”. Como consta em seu site oficial, o tema refere-se a pacientes que normalmente vivem em condições de difícil acesso a cuidados paliativos, como “crianças, indivíduos LGBT, prisioneiros com HIV, soldados e habitantes rurais”.
Essa definição não faz sentido ao pensarmos na situação brasileira, pois a nossa falta de acesso certamente não se reduz a esse público e sofremos uma importante carência de políticas públicas que estimulem não só a acessibilidade a tratamentos e opióides (como morfina), mas também à formação de profissionais. O ranking da “The Economist” divulgado nessa segunda-feira (5) aponta para esse problema.
Foi levado em consideração o ambiente de cuidados paliativos, recursos humanos (formação dos profissionais na área), sua acessibilidade, qualidade do cuidado e nível de engajamento da comunidade. Para a organização do ranking, utilizaram-se dados oficiais, pesquisas existentes e entrevistas com profissionais da área. Para o estudo do Brasil, apenas Maria Goretti Salles Maciel, (presidente da ANCP .Academia Nacional de Cuidados Paliativos) foi entrevistada. Maria conta que, quando foi entrevistada para o estudo, ela informou que não temos dados oficiais sobre cuidados paliativos. Ela diz acreditar que a posição do país melhorou em relação ao último ranking (de 2010, no qual o Brasil ocupou a posição 38 entre 40 países avaliados), apesar de a nossa situação ainda ser muito caótica. Essa posição seria melhor caso tivéssemos dados oficiais para divulgar. “De qualquer forma, ainda estamos muito aquém do que poderíamos, e ainda concentrados em grandes centros urbanos. A grande maioria dos municípios brasileiros nem tem notícias sobre o que é cuidados paliativos”, ela diz. Nossos maiores desafios seriam o acesso a medicamentos para dor, formação e capacitação de profissionais (que deveria ser ensinado na graduação) e termos políticas públicas voltadas para o tema.
Para Maria, não temos o que comemorar nesse Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, mas sim refletir e arregaçar as mangas. “Parece que estamos um pouco melhor, mas é só uma questão de mudança na forma de avaliar. E talvez porque nesse segundo ranking eles tiveram mais informações”, comenta.
O estudo indica que estamos no processo de desenvolver nossas próprias políticas nacionais. Em contrapartida, países como Colômbia, Equador, Itália, Rússia, e Japão já teriam evoluído no sentido de estabelecer novas ou melhores linhas de atuação, leis ou programas nacionais.
Na América Latina, o Brasil perde para Chile (27º), Argentina (32º), Uruguai (39º) e Equador (40º).
As principais conclusões dessa publicação foram:
- O Reino Unido apresenta a melhor qualidade de morte e países ricos tendem a ocupar melhores posições no ranking (em segundo lugar está Austrália, seguida por Nova Zelândia. Nos últimos dois lugares temos Bangladesh e Iraque);
- Países com melhor qualidade de morte compartilham algumas caraterísticas, como uma política nacional de cuidados paliativos, altos gastos públicos em serviços de saúde, treinamento extensivo para os profissionais envolvidos, grande oferta de opióides (morfina é um exemplo deles) e forte consciência pública sobre cuidados paliativos;
- Políticas nacionais são vitais para o aumento de acesso a cuidados paliativos;
- Treinamento de todos os médicos e enfermeiros é essencial para acompanhar a crescente demanda;
- Subsídios são necessários para que o tratamento seja acessível;
- A qualidade do tratamento depende do acesso a opióides, analgésicos e suporte psicológico;
- Esforços da comunidade são importantes para aumentar a conscientização e estimular conversas sobre a morte. Um exemplo oferecido é a iniciativa mundial “Death Cafe” (veja post do blog Um Death Cafe em São Paulo) – aqui o estudo cita o Brasil de forma positiva.
- A área de cuidados paliativos precisa de investimento, mas oferece uma otimização de custos (leia sobre o assunto em: “Entrevista com Maria Salles Goretti Maciel”).
Ana Claudia considera que toda a rede de hospitais públicos deveria ter leitos destinados aos cuidados paliativos. E a formação na área poderia ser incluída na grade curricular da graduação de medicina e enfermagem – ao invés de ser apenas uma área de atuação como é hoje. Ela também diz que a rede privada deveria usar os cuidados paliativos como um acréscimo em qualidade de atendimento e melhora de gestão de tratamentos.
De qualquer forma, temos avanços na área, como a existência da própria estrutura de hospices, apesar de em baixo número e pouco divulgada e a existência de uma área de atuação reconhecida. No entanto, alguns médicos atuantes nesse setor, como Maria Salles Goretti Maciel e Dalva Matsumoto, consideram que cuidados paliativos deveria ser uma especialidade médica. (Leia mais sobre o trabalho delas: Um dia numa hospedaria de cuidados paliativos e Um dia numa enfermaria de cuidados paliativos).
Veja abaixo, eventos programados para celebrar o Dia Mundial de Cuidados Paliativos no Brasil.
EVENTOS
Instituto Paliar – Jornada de Conscientização em Cuidados Paliativos
Descrição: Um dia inteiro com oficinas educativas sobre cuidados paliativos, ministradas por médicos especialistas no assunto, além de psicólogos, enfermeiros e outros profissionais da saúde. Uma das palestrantes é Maria Salles Goretti Maciel, entrevistada pelo estudo da “The Economist”. Palestras: Definições e conceitos, o trabalho do enfermeiro, comunicação no final da vida, reabilitação em cuidados paliativos, ética e justiça no final da vida e abordagem do sofrimento psíquico da família, paciente e equipe.
Data: 07 de novembro de 2015 Local: Faculdade São Camilo Custo:R$20,00 para alimentação e bebidas.
O evento é aberto ao público em geral, não apenas a profissionais da saúde.
Informações: (11) 5051 0555 / 3675 5697 ou contato@paliar.com.br
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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