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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Preso a cama de hospital, homem luta para que sexualidade de deficientes deixe de ser tabu

10/12/2014 16h51 - Atualizado em 10/12/2014 16h51

Preso a cama de hospital, homem luta para que sexualidade de deficientes deixe de ser tabu

Norberto Butler, vítima de pólio, quer que tema seja reconhecido na Argentina, país que debate regularizar o cargo de acompanhante sexual.




Norberto Butler luta pelo reconhecimento da sexualidade dos deficientes (Foto: Norberto Butler/BBC)Norberto Butler luta pelo reconhecimento da sexualidade dos deficientes (Foto: Norberto Butler/BBC)
Um argentino paralisado desde o fim da década de 1950 está lutando pelo fim do tabu relacionado à sexualidade de deficientes no país, em meio a um debate nacional sobre a regularização de acompanhantes sexuais para essas pessoas.
Norberto Butler, de 57 anos, passou a maior parte da vida em um hospital, vítima de uma epidemia do vírus da poliomielite que atingiu a Argentina no final daquela década. Desde então, ele vive em uma cama.
Depois de anos de luta, Butler conseguiu que a casa-hospital onde vive o transferisse para um quarto individual, o que, segundo ele, significa o primeiro passo para que as pessoas portadoras de deficiência explorem a própria sexualidade.
"Conheço centenas de pessoas com deficiências que não resolvem essa questão (do sexo), que não têm relações de nenhum tipo", disse Butler à BBC Mundo.
"Sei da mortificação que muitos sofrem, e este assunto é uma prioridade absoluta, porque se sente no corpo o ardor de não poder canalizar isso, ter relações com uma garota."

Acompanhante
A sexualidade de portadores de deficiência começa, muito lentamente, a deixar de ser tabu na Argentina e se transforma em motivo de discussões nos meios de comunicação e também em conferências.
Em uma reunião recente na Assembleia Legislativa de Buenos Aires, especialistas, profissionais do sexo e ativistas pediram a regulamentação do cargo de "acompanhante sexual" e, se o pedido for atendido, a Argentina será o primeiro país da América Latina a reconhecer esse trabalho.
"É uma pessoa que, depois de passar por um processo de capacitação, poderá acompanhar homens ou mulheres adultos com deficiência, de forma sexual, afetiva e erótica", disse à BBC Mundo Silvina Peirano, professora de deficiência mental e social e criadora do Sex Assistent, um serviço de formação de assistentes sexuais, assessoramento e acompanhamento criado há anos em Barcelona.
A função não é apenas manter relações sexuais com a pessoa que contrata o serviço. Os acompanhantes também podem prestar assistência a casais de deficientes que querem ter relações acomodando seus corpos e facilitando o contato físico, ajudando a colocar um preservativo, por exemplo.
"Não estamos dizendo que todas as pessoas com deficiência devam ter uma assistência sexual, mas que ela pode ser uma opção enriquecedora e válida para algumas", afirmou Silvina.
Há países em que a figura da assistente sexual está regulada pelo governo e é considerada uma terapia, caso da Suíça.
Cautela
Talvez pelo fato de o assunto estar sendo discutido apenas agora na Argentina, ainda não há muitas críticas para a proposta de reconhecimento do acompanhamento sexual para deficientes.
Mas, em outros países, a ideia foi recebida com cautela pelos que se opõem ao trabalho sexual, em geral, ou pelos religiosos que promovem a abstinência. A proposta também recebeu críticas dos próprios portadores de deficiência.
Mik Scarlet é um reconhecido autor britânico que há anos milita para acabar como tabu da sexualidade dos deficientes na Grã-Bretanha.
Em uma entrevista no ano passado ao jornal "The Guardian" a respeito do debate sobre a contratação de acompanhantes, Scarlet afirmou que promover este tipo de serviço é como "se o mundo falasse que as pessoas deficientes são tão pouco atraentes que a única forma de elas manterem relações sexuais é pagando".
"Não quero um mundo onde seja mais fácil para as pessoas deficientes visitar profissionais sexuais, quero um mundo que veja os deficientes como seres sexuais e como casais válidos", disse.
Norberto Butler também encara com cautela a proposta, mas vê a assistência sexual como um direito que poderia "preencher um espacinho" para os deficientes que não puderam desenvolver a própria sexualidade. Também acha, porém, que o projeto deve vir acompanhado de outras políticas de inserção profissional e social.
O objetivo, para Butler, é que os deficientes tenham as mesmas oportunidades e possam conhecer um potencial parceiro em qualquer outro âmbito que não seja o do hospital ou do acompanhante.
Apoio
A proposta de regular a função de acompanhante sexual para portadores de deficiência é uma iniciativa apoiada por um grupo de profissionais do sexo argentino que afirma que isso já acontece no país.
"Este tema sempre esteve oculto", disse Georgina Orellano, secretária-geral da Associação de Mulheres Meretrizes da Argentina (AMMAR). "Há dois anos e, principalmente neste último ano, começaram a chegar à organização (...) e-mails de pais e mães, (perguntando) se algumas de nossas companheiras atendiam pessoas com deficiência, buscando ajuda para seus filhos com autismo, síndrome de Down ou deficiência física."
"Há companheiras que trabalham regularmente com eles e os tinham em sua lista de clientes. Assim, demos os telefones (delas) para os pais de deficientes maiores de idade", disse Georgina à BBC Mundo.
Na Argentina não é crime a troca consentida de sexo por dinheiro entre indivíduos maiores de idade.
Atualmente, existem dois projetos de lei que tentam regular o trabalho sexual no país, permitir a criação de cooperativas e dar direitos e garantias às profissionais.
Assexuados
A sexualidade de portadores de deficiência não é algo muito debatido na Argentina.
"Mas é um dos direitos que não temos, devido à pressão da Igreja, pressão de fatores distintos", afirmou Norberto Butler.
Pouco a pouco, como aconteceu com o reconhecimento dos direitos da comunidade homossexual há alguns anos, a Argentina parece estar começando o debate público sobre a sexualidade dos deficientes.
Mas, para a professora Silvina Peirano, muitos ainda partem da ideia de que os deficientes são seres "solitários e, no pior dos casos, se assume que não existe a sexualidade ou que sua sexualidade é de segunda categoria".
"Promovam, ajudem um deficiente para que ele consiga um trabalho que permita que ele se relacione. Mas não interfiram para o mal na sexualidade do garoto", disse Norberto Butler.

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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito

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