Mãe luta para cuidar de filha com doença que cria ‘segundo esqueleto’
'Toda vez que Cristina cai, cresce um osso a mais', diz mãe.
Doença rara atinge uma entre 2 milhões de pessoas e não tem cura
Aline Nascimento
Do G1 AC
Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP) ou 'segundo esqueleto'. Essa é a doença que a pequena Débora Cristina Ferreira, de 3 anos, enfrenta desde o segundo ano de vida. A doença rara, que atinge uma entre 2 milhões de nascidos vivos, faz com que os músculos, tendões, cartilagens e todo tecido fibroso se transforme em ossos, formando assim um esqueleto 'extra' no corpo.
Aparentemente, Cristina, como é chamada pela família, parece uma criança normal. Anda, brinca, é carinhosa com a família, gosta de cantar. Mas, depois de alguns instantes percebe-se que, por causa da doença, ela já perdeu os movimentos dos membros superiores, não senta direito, a coluna já apresenta deformação e tem dificuldades para falar.
A mãe de Cristina, Meirivânia Ferreira, ou apenas Meire como prefere ser chamada, de 22 anos, descobriu que a filha tinha problemas de saúde há menos de um ano, quando percebeu que estava crescendo um caroço na região do pescoço da criança. Depois de algumas semanas, Meire resolveu procurar um médico para saber do que se tratava aquele nódulo no pescoço da sua única filha. Primeiramente, foi à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) onde foi receitado um anti-inflamatório. Após alguns dias sem desaparecer o nódulo, a mãe resolveu pagar uma consulta particular, mas também não obteve a resposta que precisava para o problema da filha.
Cristina foi internada duas vezes no Hospital da Criança para tratar o caroço no pescoço e tentar descobrir o que estava causando o inchaço. Durante a primeira internação, mãe e filha saíram um mês depois do hospital sem um diagnóstico definido. Já na segunda vez, os médicos disseram que a doença da paciente precisava ser investigada, pois eles não sabiam do que se tratava. Uma equipe médica foi reunida para avaliar e dar um diagnóstico para a família. Depois de vários exames, os médicos chegaram à conclusão de que a pequena Cristina não poderia ter uma infância e uma vida normal, pois era portadora de uma doença rara.
“O pescoço dela [Cristina] inchou muito, levei ao pediatra lá na UPA. De lá, mandaram para o posto, e também não resolveram nada. O médico particular também não sabia o que ela tinha. Quando estava internada, eles [médicos] não diziam nada sobre o estado de saúde dela, só diziam que precisavam estudar o caso para depois dar um diagnóstico certo. Ainda lembro o dia que falaram que minha filha tinha a doença, me chamaram em uma sala particular e explicaram tudo para mim. Meu mundo caiu”, relembra Meire.
Por causa da doença da filha, Meire precisou abandonar o emprego como garçonete em uma lanchonete, pois Cristina precisa que fique sempre alguém ao seu lado, porque sempre se machuca ou cai, o processo de cicatrização transforma o lugar machucado em osso. A mãe conta que a filha às vezes cai enquanto está caminhando pela casa, porque sente fraqueza nas pernas e acaba tropeçando nos próprios pés.
"Toda vez que Cristina cai, cresce um osso a mais. A doença causa fraqueza nas pernas, então tenho que ficar atrás dela direto, não posso deixá-la sozinha nenhum segundo. Tem época que as quedas ocorrem com mais frequência, principalmente quando vai crescer um novo osso", conta a mãe que não tira os olhos da filha em nenhum momento da conversa.
Sem tratamento ou remédio que possa evitar o crescimento do esqueleto extra no corpo da filha, Meire conseguiu, por meio de doação, uma sessão de hidroterapia [terapia feita na água morna que ajuda a relaxar os músculos] no Centro Especializado em Reabilitação (CER), em Rio Branco. Meire leva a filha todas as terças e quintas-feiras para a terapia, na esperança que a cada sessão seja reduzido o crescimento dos ossos 'a mais' do corpo da pequena.
“Consegui essa terapia por meio de uma médica lá do Instituto Dom Bosco quando fui procurar uma fisioterapia para Cristina. Ajuda muito porque os músculos dela ficam relaxados e, assim, evita que se transforme logo em osso”, explica.
Mãe de primeira viagem, Meire não desgruda da filha nenhum momento. Procura sempre estar por perto quando Cristina precisa de algo ou tentando evitar que a filha corra e se machuque. Quando perguntada qual seu maior desejo, a mãe não contém as lágrimas e revela que sua maior vontade é que a filha tenha uma vida normal.
“Eu quero a cura da minha filha, mas infelizmente isso não é possível. Nunca me deram uma esperança, só falaram que com a hidroterapia o crescimento dos ossos vai desacelerar. É uma coisa certa, os músculos da Cristina vão se transformar em ossos, não sabemos quanto tempo vai demorar, mas vai crescer, mesmo assim procuro não pensar no pior”, diz emocionada.
Mulher caminha quase 2 km com filha no colo para pegar ônibus
Moradora da Rua Edmundo Pinto, no Bairro Vila Acre, Meire precisa andar 1,5 km para chegar até às margens da estrada, pegar o ônibus e levar a filha para fisioterapia. A viagem, porém, é desconfortável e dolorida para Cristina, que durante o percurso precisa ficar sentada no colo da mãe e sente forte dores na coluna. Nos dias de chuva, Cristina também não aparece na terapia, pois a mãe não tem, além do transporte público, nenhuma condução para levar a filha até a clínica.
“Se tivesse uma van ou um carro que viesse buscar a gente até aqui dentro, porque é muito longe, seria bem melhor. Nem saio de casa com ela quando chove. Hoje o que poderia me ajudar, seria um transporte para que eu possa levar ela para fazer fisioterapia”, revela.
Meire conta que já procurou a prefeitura do município para solicitar uma condução que fosse buscar ela e Débora em casa e encaminhar até a clínica, mas foi informada que não seria possível porque os veículos são disponibilizados apenas para pessoas que não andam.
“Quando fiz o cartão de vale transporte dela, perguntei se seria possível um ônibus ir buscar a gente lá em casa e deixar na clínica, mas disseram de que só disponibilizam para pessoas que não andam. Apesar de todas as dificuldades ela anda, então, eles não cedem o transporte”, lamenta a mãe.
Além dos problemas com o transporte, Meire não tem casa própria para morar. Casada pela segunda vez, Meire se separou do ex-marido e pai de Cristina quando a filha tinha só quatro meses de vida e voltou a morar na casa da mãe. Um ano depois, conheceu o atual marido e se mudou para a casa da sogra, onde mora com mais seis pessoas.,
Segundo Meire, a nova família adotou a criança mesmo sabendo que ela tinha problemas de saúde. Apesar do amor e carinho que recebe da família do marido, a jovem revela que deseja ter sua casa para construir um espaço maior para a filha. Sobre o pai biológico de Cristina, Meire é direta ao dizer que o pai da filha é o atual marido, pois o ex-companheiro não ajuda com as despesas e não participa do crescimento da filha.
“Eles me ajudam em tudo para Cristina. Minha filha é bem tratada, tem amor e cuidado. O pai biológico mora na outra rua, mas não participa em nada na vida da Cristina”, reclama.
Sintomas costumam aparecer aos 2 anos de vida, diz médica
A médica geneticista Bethânia de Freitas participou da equipe que descobriu a doença de Cristina, há um ano. Ela relata que desconfiou que a paciente fosse portadora da FOP no momento em que viu os dedos dos pés de Cristina. Uma das características da doença, segundo Bethânia, que acompanha de perto o caso de Cristina, é o defeito nos dedos dos pés, conhecido por joanetes, dos pacientes.
Ainda de acordo com a médica, por ser uma doença progressiva, não é possível detectar nenhum sinal da doença durante os primeiros exames realizados nos recém-nascidos. Bethânia explica que só a partir dos 2 anos de vida, quando a criança começa a andar, costumam aparecer os primeiros sintomas da doença.
“Quando eu vi o pé da Cristina já sabia que era FOP. Essas joanetes são comuns em adultos, mas uma criança nascer com isso é raríssimo. Eu nunca tinha visto um caso ao vivo, só em livros. É uma doença muito rara, quem vê um caso desse nunca esquece, talvez seja o único caso que eu veja na vida”, acredita Bethânia.
A Fibrodisplasia Ossificante Progressiva é uma doença pouco conhecida no Brasil, uma vez que ocorre em 1 criança a cada 2 milhões de nascidos vivos. Os portadores da doença não podem tomar nenhum tipo de injeção na pele, não podem cair, ser submetidos a cirurgias ou qualquer tipo de processo que envolva os músculos, tendões e todo tecido conjuntivo do corpo, pois acelera o crescimento de um 'segundo esqueleto' no portador. A medicina desconhece um tratamento ou medicamento que possa curar ou impedir o crescimento dos ossos no corpo.
“A patologia da doença diz que se a região do músculo inflama, caso ela tome algum medicamento no músculo, ou seja, operada, a cicatrização será um osso, um osso normal. A principal consequência disso é limitar os movimentos do paciente. Então, à medida que os músculos, tendões vão calcificando ela vai perdendo a mobilidade", esclarece a médica.
Bethânia explica ainda que a doença é autossômica dominante, ou seja, não são os pais que passam para os filhos. Já o paciente pode transmitir para o filho, em 50% das vezes. “A Cristina tem essa mutação e pode passar para o filho dela, se ela engravidar tem 50% de chance de passar para o filho. Mas, se a mãe dela engravidar novamente, a criança não vai nascer com o problema”, diz.
Segundo a médica, a equipe médica está monitorando a evolução da doença de Cristina, pois no decorrer do processo de crescimento os ossos podem perfurar algum órgão do corpo.
"Nossa maior preocupação é com a respiração dela, porque se você limita muito os movimentos a tal ponto dela não conseguir respirar, ela vai precisar de um suporte. Não sabemos como vai estar a Cristina daqui uns anos, é difícil afirmar alguma coisa. O que eu passo para a família é o que está escrito, que ela tem ter cuidado com a criança, que ela não pode cair, se machucar, não posso dar nenhuma esperança para a família sobre uma possível cura", conta.
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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