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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Justiça autoriza registro de nascimento com duas mães, um pai e seis avós


Decisão inédita no RS favoreceu casal homossexual que pediu ajuda a amigo para gerar um filho
POR FLÁVIO ILHA E RENATO GRANDELLE

13/09/2014 6:00



Bernadete, advogada da família, com a sentença para a certidão Foto: GABRIEL HAESBAERT
Bernadete, advogada da família, com a sentença para a certidão - GABRIEL HAESBAERT

PORTO ALEGRE E RIO - O juiz Rafael Cunha, da 4ª Vara Cível do Fórum de Santa Maria (RS), autorizou anteontem o registro de nascimento de uma menina com duas mães, um pai e seis avós. A decisão, inédita na Justiça brasileira, foi cumprida ontem no 1º Cartório de Registro Civil da cidade, que precisou adaptar o sistema de registro para que o documento pudesse contar com nove nomes. A certidão será entregue às mães e ao pai na semana que vem.
Casadas legalmente há dois meses, depois de viverem em união estável por quatro anos, Fernanda Batagli Kropenski, de 26 anos, e Mariani Guedes Santiago, de 27, pediram ajuda ao amigo Luis Guilherme Barbosa para gerarem um filho. Como condição para aceitar o pedido, Barbosa quis constar como pai na certidão de nascimento de Maria Antônia, que nasceu de parto normal no último dia 27 de agosto. A fecundação se deu pelo processo clássico. Fernanda foi quem deu à luz, mas ambas constam como mães na certidão.
O juiz considerou a decisão “simbólica” e disse que privilegiou a “proteção e o afeto” da criança no que chamou de “ninho multicomposto”.

— É importante salientar que essa menina terá, desde o seu nascimento, o registro de uma família multiparental diferente do que é comum. Tudo o que é novo causa um certo espanto, mas a decisão é absolutamente natural e foi tomada sem controvérsias — afirmou.
A sentença foi dada no mesmo dia em que um Centro de Tradições Gaúchas (CTG) acabou incendiado em Santana do Livramento (RS) como represália à realização de um casamento coletivo com a presença de um casal gay. No caso da certidão multiparental, o pedido foi feito em 26 de agosto, um dia antes do nascimento da menina, e recebeu parecer favorável do Ministério Público em tempo recorde. A decisão também foi rápida, como forma de garantir existência civil à criança.

Cunha disse que o atentado ao CTG não influenciou sua decisão, mas salientou que a sentença é um reforço à ideia de respeito às diferentes concepções de família e de casamento, que são garantidas pela Constituição.
— Isso é importantíssimo para reforçar o respeito às diferenças, especialmente neste momento de intolerâncias de todas as espécies — defendeu.
As duas mães e o pai, assustados com a repercussão do caso, não quiseram falar com a imprensa. A advogada da família, Bernadete Schleder dos Santos, disse que os três estão “muito felizes” com a decisão, apesar das dificuldades técnicas para registrar Maria Antônia.
— O cartório necessitou adaptar seu sistema de registro junto ao Tribunal de Justiça para comportar tantos nomes numa certidão, mas os problemas terminaram aí. A sensação é de contentamento — disse.
Bernadete foi ao cartório na manhã de ontem com a sentença judicial e requereu o registro da criança, que deve ficar pronto até a próxima segunda-feira. Entre o pedido à Justiça e a sentença, passaram-se pouco mais de duas semanas. Segundo a advogada, a decisão favorável foi facilitada porque não há litígio entre as três partes.
— É um exemplo de entendimento e tolerância — comparou.

RESOLUÇÃO FAVORECEU REGISTROS

Desde maio de 2013, uma resolução do Conselho Federal de Medicina admite a utilização de técnicas de fecundação “in vitro” por casais homoafetivos, o que tem aumentado a existência de crianças registradas em nome de dois pais ou duas mães.
Mas a presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-RS, Maria Berenice Dias, disse que o registro com três responsáveis legais é inédito na jurisprudência brasileira. A jurista comemorou a decisão e disse que a sentença expressa “a complexidade da vida”.
— As famílias tradicionais, representadas por um pai e uma mãe, estão deixando de ser o retrato usual da nossa sociedade para dar lugar a composições menos convencionais. Nesse sentido, a sentença é histórica porque o amor não tem que ter limites. Quanto mais pessoas tiverem vínculos afetivos, melhor para uma criança — disse Maria Berenice.

‘DISCURSO MORALISTA’ CONTRA DECISÃO

Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), Rodrigo da Cunha Pereira avalia que novas estruturas parentais estão surgindo e que, por isso mesmo, “devemos estar de acordo com essa realidade”.
— Há um discurso moralista de que este seria o fim da família — comentou Pereira. — Foi o mesmo que disseram em 1977, quando o divórcio foi introduzido no país. A família não é uma estrutura natural, e sim cultural. Por isso, vários arranjos são possíveis. Sei que este caso abre um debate ético, mas não há por que ter medo disso.












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