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terça-feira, 5 de junho de 2012

Doação compartilhada de óvulos




Doação compartilhada de óvulos

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

A doação de óvulos é um assunto interessante e que vem ganhando corpo na medida em que a medicina, pelo seu caráter eminentemente pesquisador, atinge novas técnicas na área da reprodução assistida. A legislação, por sua vez, pela sua própria natureza regulamentar, não acompanha pari passu a evolução e só posteriormente se encarrega de definir as regras permissivas. Em razão deste hiato proposital e necessário, um procedimento médico, eventualmente regrado por uma Resolução do Conselho Federal de Medicina, fica a descoberto, sem o suporte da legislação ordinária, provocando um desconforto tanto para o médico como para o paciente.
O corpo humano, como é sabido, não é objeto para ser lançado no comércio e se submeter à especulação. É um bem indisponível, e dele ninguém poderá dispor, com exceção de algumas hipóteses. O latifúndio que o homem carrega consigo cada vez mais está sendo explorado em favor do próprio homem.
A lei 9.434/97 possibilita a disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e terapia. Referida lei, no entanto, não coloca restrições e não abrange o sangue, o esperma e os óvulos. A única possibilidade de doação é com objetivo científico ou altruístico. Para tanto, na reprodução humana assistida, utiliza-se a técnica da fertilização in vitro, consistente na manipulação dos materiais procriativos do homem e da mulher para a formação do embrião. Após, cuida-se da transferência para o útero da mulher que forneceu ou recebeu os óvulos ou de outra que exercerá a função de maternidade substitutiva, conhecida como “barriga de aluguel”.
Ocorre que na prática vem sendo constatado que muitas mulheres doam óvulos em troca de tratamento, como check-ups ginecológicos, métodos contraceptivos, exames e até mesmo dinheiro. Tal liberalidade vem representada pela doação compartilhada em que uma mulher, após se submeter a uma série de exames, inclusive com injeções de hormônio para estimular o ovário, doa parte de seus óvulos à outra com dificuldades para alcançar a gravidez. Pela nossa legislação, o fato não é considerado crime porque não descrito na lei penal, mas não é ético e infringe as normas básicas da frágil legislação que rege a matéria.
Não se pode banalizar a ovodoação. Muitas mulheres se sujeitam a tratamentos infindáveis para conseguir a gravidez e não atingem o resultado desejado. Às vezes até o casamento entra em rota de colisão em razão do problema. Não só os casais desejam a reprodução, mas também mulheres solteiras que buscam a chamada “produção independente”, sem falar ainda dos casais heterossexuais que já frequentam com certa assiduidade as clínicas de reprodução. Assim como o sangue, o leite materno, a doação de óvulos deve ser regida pela espontaneidade e altruísmo, levando-se em consideração a grandeza do ato.
A própria solidariedade que une o ser humano recomenda a ovodoação e qualquer pessoa de bom senso não irá recriminar tal conduta. O que causa repúdio do ponto de vista bioético e jurídico é justamente o caráter mercantil que pode contaminar a doação. Um filho não pode ser resultado de negociação entre as mulheres que participaram da ovodoação compartilhada. Já que a gravidez não está sendo atingida pelos meios naturais, devem ser apontadas regras claras para dirimir a questão. Também se tem notícia que muitos casais com suporte financeiro suficiente frequentam clínicas no exterior, onde podem adquirir os gametas para a inseminação pretendida. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) está sendo questionada a respeito da liberação da importação de óvulos e espermatozoides.
O Código Civil, que entrou em vigência em 2002, trouxe considerável colaboração com a nova postura em razão dos avanços da engenharia genética. Desprezou a regra tradicional de que a maternidade é sempre certa (maternitas certa est) e resolveu, desta forma, o impasse para saber se a mãe vem a ser a que doou os óvulos ou a que os recebeu e gerou o filho.
Mas, em contrapartida, sanado tal impasse, outro surge e levanta interessante dúvida a respeito da prole de ambas. Como não há qualquer registro ou banco de dados que compreenda a ovodoação, pode até ser que os filhos, sem a catalogação genética necessária, venham a se casar futuramente e trazer outros complicadores biológicos e legais. Nos Estados Unidos, onde há legislação específica a respeito da matéria, com a permissão inclusive de venda de óvulos, faz-se um documento entre os pais receptores e a doadora do óvulo, excluindo esta última de qualquer direito sobre a criança.
Por outro lado, em razão da proibição da comercialização, a consequência inevitável é a escassez de óvulos destinados à doação. A mulher passa por um procedimento médico que se inicia com a utilização de hormônios e em seguida pela técnica invasiva para a punção dos óvulos. Como já há casos registrados pode ocorrer a hiperestimulação ovariana e até mesmo a perfuração de órgãos durante o ato cirúrgico. Tais condutas provocam desestímulos às potenciais doadoras que devem ser movidas por um altruísmo sem medida.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor e Justiça aposentado e reitor da Unorp


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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito

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