Referência internacional aponta os caminhos éticos da ciênciaPara Carlos Maria Romeo Casabona, as perspectivas atuais e futuras precisam de extensos debates até uma regulação
Publicação: 01/12/2013 07:45 Atualização: 01/12/2013 07:56
Casabona critica lei brasileira de 1995. Para ele, texto foi feito de maneira precipitada sem reflexões profundas sobre o que já existia de concreto |
Catedrático em direito penal da Universidade do País Basco e membro do comitê diretor de bioética do Conselho da Europa, o espanhol Carlos Maria Romeo Casabona reconhece que pode soar como ficção científica quando fala das recentes pesquisas de que tem se ocupado. Afinal de contas, abordar ventres artificiais, bebês que nascem em laboratórios, frutas com genes de peixes para suportar frio parece coisa de cinema. Mas não é bem assim. São perspectivas que já se apresentam ao futuro da ciência e que precisam ser debatidas à exaustão para se chegar a parâmetros regulatórios.
E quais são os limites da ética nesses casos? O que pode, o que não pode? O que fere determinada cultura ou moral cristalizada com o tempo? São questões como essas que Casabona vem abordando desde a década de 1970, quando se graduou em direito. Logo doutorou-se no mesmo tema e também em medicina, pela Universidade de Zaragoza. À medida que o tempo passa, a ciência avança, novas discussões surgem e sobre elas a necessidade de bases jurídicas sempre em transformação.
Autor de pelo menos 20 livros sobre o tema e coordenador de outras 150 publicações em sete idiomas, Carlos Casabona é colaborador frequente do Brasil em assuntos ligados à bioética e genoma humano. No mês passado, ele esteve no país para um encontro com pesquisadores. Segundo Casabona, “vivenciamos uma evolução importante no campo das leis que tratam das mudanças na ciência. A troca de informações entre os países é primordial neste momento”. Nesta entrevista concedida ao Estado de Minas, ele fala um pouco sobre o debate no Brasil e mundo afora.
LEI DE BIOTECNOLOGIA
O Brasil aprovou sua lei de biotecnologia em 1995. Para Casabona, o texto foi feito de maneira precipitada sem reflexões profundas sobre o que já existia de concreto. Os problemas, os aspectos que realmente necessitavam da intervenção do legislador ficaram de fora. “A redação daqueles preceitos não estava benfeita. Não se havia captado bem quais eram os pontos de interesse. Em 2005, fizeram uma lei completamente nova, com precisão, detalhe e enfoque necessário”, contextualiza.
De acordo com ele, a sintonia entre as “descobertas” da ciência e a legislação sobre elas é algo difícil de alcançar. “O legislador do Brasil, da Espanha, de qualquer outro país não tem por que ser um técnico ou um especialista em biotecnologia, mas tem a obrigação moral de estar bem informado.” É por isso que ele percorre o mundo. O contexto internacional tenta ajudar os Estados a tomar decisões em temas que não são fáceis. “Há uma complexidade ética de um lado e jurídica do outro porque estamos falando do novo. Para ter uma ideia, há 30 anos nem existiam embriões in vitro”, exemplifica.
TRANSPLANTES
Entre os temas em que Casabona é referência internacional está o de transplantes. Integrante da equipe que elaborou a lei dos transplantes em seu país, ele observa com otimismo e prudência o avanço das pesquisas na área. “Os últimos estudos no âmbito da biotecnologia moderna usa a engenharia genética para interferir no DNA da matéria viva. Me refiro a animais porque o ser humano ainda está proibido em muitos países e ditamos que não existem posições claras a esse respeito”, explica.
Como ele relata, nos últimos 30 anos foram feitos diversos experimentos na tentativa de transplantar órgãos de animais, sobretudo de porcos, para homens. “Não resultou em nada porque não basta colocar algumas células. É mais complexo que isso”, ressalta. Hoje, fala-se muito sobre as pesquisas com células-tronco como um possível caminho.
Didaticamente, Casabona explica que as células-tronco seriam como material reservado pelo corpo humano para possíveis substituições. “Essas células não têm nenhuma forma nem função determinada. Mas as temos por aí distribuídas. Quando faltam algumas coisas no nosso organismo, mecanismos decidem se ativar, elas se modificam e podem se transformar”, continua. Retiradas em laboratório, as células-tronco poderiam ser estimuladas. “Em vez de se transformar como estava previsto no corpo em células musculares, o estímulo serviria para ordenar que elas se transformem em outro tipo, com características de que o paciente necessite.”
A análise de cada caso, segundo Casabona, depende do saber científico e, posteriormente, da avaliação jurídica. “Do ponto de vista ético os principais problemas são simplesmente extrair do ser humano sem que haja riscos para ele. No entanto, existem células que são muito parecidas e com uma capacidade de mutação ainda maior nos embriões. Isso, porém, carrega outros problemas.” Entre eles está o entendimento se o embrião já é ou não um ser humano. “Algumas associações já tomaram medidas para permitir em algumas circunstâncias e proibir em outras”, diz. De acordo com Casabona, muitos países proíbem a criação de novos embriões para este tipo de prática. Os procedimentos estariam liberados em embriões já existentes, que tenham sido criados para reprodução assistida e por qualquer motivo já não serão destinados a isso. Em todo caso, qualquer tipo de experimento nesse sentido demandará a destruição dos embriões. “É realmente uma questão complicada porque passa por uma questão cultural, do entorno social, dos valores que um grupo coloca em destaque na sociedade”, pondera. Carlos Casabona defende a prudência e até certo distanciamento na divulgação de qualquer novidade nessa área.
REGULAÇÃO INTERNACIONAL
No campo da regulação internacional, existem protocolos que servem de base, como é o caso da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, aprovada em 1997. Feita de maneira rápida, praticamente aprovada depois de quatro anos de trabalho, ela traz orientações importantes sobre o que as nações devem ou não fazer no que se refere aos avanços biotecnológicos. “Foi um primeiro passo importante porque, pela primeira vez em caráter universal, se aprova um instrumento jurídico que trata desses temas.” Mesmo assim, as atualizações são sempre feitas por meio de protocolos adicionais.
Como Casabona ressalta, no que se refere às pesquisas relacionadas à biotecnologia, sempre haverá temas em aberto. “No caso do ser humano, temos muitas informações no DNA sobre a nossa saúde presente e futura. Isso merece uma máxima prevenção jurídica”, salienta. De toda forma, para Carlos Casabona, nessa área toda cautela será pouca. “É preciso que o legislador intervenha em coisas que realmente sejam necessárias, algo que apresente alguma gravidade ou certo risco para a sociedade. É preciso deixar o tempo passar para refletir sobre como se pode aplicar o resultado”, conclui.
A legislação no Brasil
A legislação brasileira sobre biossegurança começou com a Lei 8.974/95. Ela estabeleceu normas de para regular todos os aspectos da manipulação e uso de organismos geneticamente modificados (OGMs) no país. O texto foi regulamentado pelo Decreto nº 1.752, que dispôs sobre a vinculação, competência e composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Uma década mais tarde, essa lei foi substituída por uma nova normativa (a Lei 11.105/05), que atualizou os termos da regulação de OGMs, incluindo pesquisa em contenção, experimentação em campo, transporte, importação, produção, armazenamento e comercialização. Nosso processo regulatório é considerado um dos mais rígidos do mundo.
Os últimos estudos no âmbito da biotecnologia moderna usa a engenharia genética para interferir no DNA da matéria viva. Me refiro a animais porque o ser humano ainda está proibido em muitos países e ditamos que não existem posições claras a esse respeito".
No Brasil, a regulamentação a respeito de reprodução assistida, embriões excedentários, células-tronco ainda é muito escassa, possuindo apenas regulamentações do próprio Conselho Federal de Medicina e da Lei de Biossegurança (LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005), esta última que regulamenta os organismos geneticamente modificados (OGMs), assim como os chamados embriões excedentários resultantes da fertilização in vitro. Esta lei, porém, vai de embate a praxe médica (Resolução 2013/13) em seu art. 5°, fato que nos faz indagar de quem será a capacidade determinativa de tais atos? Dos médicos ou dos legisladores?
ResponderExcluirA atual lei de Biossegurança em seu art. 1° aduz como princípio fundamental e norteador de sua aplicação o princípio biojurídico da precaução, ante a instrução de que tal instituto deve se preocupar com a maneira em que os resultados das evoluções biotecnológicas do presente incidiram no futuro, e ademais vedar a aplicações de atos que não forem benéficos a coletividade (princípio bioético da beneficência), com fim de preservar a dignidade da pessoa humana, bem como o direito a vida (ambos protegidos pela CR/88). Já na resolução do CFM, principalmente quando se trata de embrião excedentário, este demonstra amparo significativo à autonomia privada ao ser observada a possibilidade de descarte de embriões com a autorização dos doadores e devidos cônjuges ou companheiros, assim ficando claro um conflito aparente de princípios constitucionalmente consagrados. Porém, haja vista que entre princípios não há hierarquia e tendentes a ideia de que a medicina, de maneira extremamente técnica, avança mais veloz que o direito, este não poderá se apresentar como retrocesso a evolução, mas sim como um instituto que reafirme a segurança jurídica na medida em que regulamente assuntos que favoreçam a justiça, bem como a saúde que se dão a partir de reflexos dos avanços médicos que cada vez se mostram mais benéficos, como é o caso da Reprodução Assistida que carece de regulamentação, mas que em contrapartida apresenta resultados satisfatórios, citados por leis gerais, mas carecedores de lei específica.
A proteção legal acerca da biotecnologia representa um avanço na regulação dos experimentos científicos, com fim de garantir a proteção efetiva ao meio ambiente, a vida e saúde humana. Conforme disposto no art. 1º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), a intervenção do Estado tem papel de fiscalizar a construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, o consumo, liberação no meio ambiente, o descarte de organismos geneticamente modificados(OGM) entre outros. Esta norma expressa a intenção do legislador em impor certas restrições no uso do OGM baseando no risco que tais manipulações possa gerar para as presentes e futuras gerações, sendo destacado o princípio da precaução para resguardar o direito ao meio ambiente equilibrado à sociedade.
ResponderExcluirÉ também definido na lei supracitada em seu art. 5º que os embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, inviáveis ou estão congelados a mais de 3 anos, podem ser utilizados em pesquisas e terapias. Nesse sentido, verifica-se a relevância da prática da pesquisa e tratamentos médicos com os embriões de acordo com os padrões éticos em busca dos avanços científicos e benefícios à saúde humana.