OAB decidirá se transexuais podem usar nome social na carteira da Ordem
Crédito Leo Pinheiro / Fotos Públicas
A OAB decidirá neste mês se transexuais e travestis podem se inscrever com o nome que desejarem na carteirinha da Ordem dos Advogados do Brasil.
O nome social é o escolhido por pessoas transexuais e travestis para que sejam identificadas de acordo com o gênero que se identificam, independentemente do nome que foram registradas após o nascimento.
Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff anunciou que a União permitirá o uso do nome social por funcionários e usuários de órgãos públicos federais. O assunto está pautado no Pleno do Conselho Federal da OAB, que reúne conselheiros dos Estados e do Distrito Federal, no dia 16 de maio. A resolução permitiria que constasse na carteira da Ordem de transexuais e travestis que ainda não conseguiram ou que optaram por não alterarem seus nomes na Justiça uma “observação” com seus nomes sociais.
A mudança, segundo especialistas ouvidos pelo JOTA, poderia garantir que os advogados fossem tratados pelo nome social nos tribunais, além de facilitar a relação com clientes. O requerimento também atende anseios dos que ainda não são advogados: estudantes transexuais e travestis de Direito.
Falsidade Ideológica
A discussão do tema na OAB teve como figura central a advogada Márcia Marques. Travesti e integrante da Comissão da Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da OAB-SP, ela conta que utiliza o nome social em seu cartão de visitas e ao ministrar palestras, porém nos registros relacionados à Ordem consta seu nome de registro: Marcos.
“As pessoas entravam no site da OAB e não existia Márcia Rocha. Parecia falsidade ideológica”, diz a advogada, que optou por não requerer judicialmente a mudança de seu nome.
A alteração do nome nos documentos pode ser requerida judicialmente, e nada tem a ver com a realização da cirurgia para mudança de sexo.
Atualmente alguns conselhos de classe – como o de serviço social – possuem normas que possibilitam a utilização do nome social profissionalmente. No dia 28 de abril a presidente Dilma Rousseff assinou um decreto que permite o uso do nome social a funcionários e usuários de órgãos públicos. Com a alteração, essa população pode utilizar o nome que escolheu ao preencher formulários e em crachás, por exemplo.
A proposta de inclusão do nome social na carteira da Ordem foi aprovada pela Comissão da Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da OAB-SP, e em setembro de 2015 foi aceita por unanimidade pelo Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da OAB, que reúne todos os líderes de seccionais. Caso a diretriz seja aprovada pelo Conselho Federal, todas as seccionais serão obrigadas a incluir os nomes sociais na carteira da OAB, no site da Ordem e em comunicações oficiais aos advogados transexuais ou travestis.
O nome social, porém, constará como uma “observação” nas carteiras. De acordo com a presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da OAB-SP, Adriana Galvão, por valer como um RG, o registro na Ordem não pode ser feito com um nome diferente ao do registro.
“Se uma pessoa quiser que seu nome mude [na carteira da Ordem], tem que mudar na Justiça”, explica Adriana. De acordo com a advogada, a proposta colocaria o nome social ao lado do nome de registro na carteira.
Surreal
Relator do caso no pleno, o conselheiro Breno Dias de Paula, de Rondônia, aponta que a maneira como o registro é feito hoje pode levar a constrangimentos nos tribunais. Ele cita que o fato de não constar o nome social na carteira da Ordem poderia levar os julgadores a utilizarem o nome de registro para convocar o advogado transexual ou travesti a realizar sustentações orais, por exemplo.
Márcia Marques concorda.
“É completamente surreal estar defendendo alguém e utilizar seu nome masculino. A própria pessoa que está te atendendo [no tribunal] fica constrangida, sem saber que nome usar”, afirma.
Caso aprovada pelo Pleno da OAB, a alteração valeria tanto para transexuais e travestis que estão no processo de alteração legal de seus documentos quanto para os que decidiram não fazer a mudança, mas utilizam nomes sociais.
Especialistas na questão LGBT apontam ainda que além dos ganhos para advogados transexuais ou travestis, a definição do tema pela OAB significaria um avanço para os direitos dessa população.
“É uma angustia muito grande para a pessoa ser tratada por nome e gênero que ela não se identifica”, diz o advogado Paulo Iotti, integrante do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero.
Já o advogado Thales Coimbra, especialista na questão LGBT, acredita que esse tipo de discussão vem sendo ampliada à medida que os direitos das pessoas transexuais passam a ser debatidos na esfera pública.
“Não podemos ignorar o papel importantíssimo que a adoção do nome social por órgãos como a OAB cumpre para os avanços da pauta LGBT, dos direitos das pessoas transexuais”, diz.
Para Coimbra, a transformação está acontecendo com a entrada de travestis e transexuais nas universidades – reivindicando essa identidade antes mesmo de entrarem no mundo profissional.
“Certamente essas pessoas farão pressão na OAB, nos escritórios, nos tribunais, exigindo que sejam tratadas como de fato se identificam”.
Na universidade
Caso aprovada, a inclusão do nome social na carteira da Ordem poderia interessar a estudante Léo Araruna, que cursa o sexto semestre de direito na Universidade de Brasília (UnB). Transexual, ela diz que sente um crescimento no número de travestis e transexuais a entrarem nas universidades, mas o número ainda é baixo. Na UnB, por exemplo, ela estima que estudem 12 pessoas trans.
Léo começou o processo de transexualização após entrar na universidade, e diz que nunca enfrentou dificuldades com os professores. Os mais próximos a chamam de Léo, mas na lista de chamada ela ainda é Leonardo. “Eu ainda não procurei a burocracia da UnB”, diz.
No mercado de trabalho, porém, ela não espera a mesma receptividade que encontra na universidade. Atualmente a estudante estagia na ouvidoria da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e diz que não pensa em mudar.
“Não teria coragem de estagiar em outros lugares, como em tribunais ou no STF [Supremo Tribunal Federal]”, afirma.
Ela acredita, com base em relatos de amigos, que esses locais poderiam não ser acolhedores a trans. A estudante conta que conhece pessoas que trabalham em tribunais e apesar de já terem se reconhecido como transexuais ainda não tiveram coragem de irem trabalhar vestidas de acordo com o sexo que se identificam.
Apesar das ressalvas, Léo afirma que o serviço público seria a melhor opção a advogados transexuais e travestis. Ela descarta a possibilidade de atuar em um escritório de advocacia. “Não seria o lugar ideal para mim”, diz.
“A” travesti
Embora a pauta tenha entrado no pleno no Conselho Federal da OAB, a instituição foi acusada no início de abril de transfobia institucional. A queixa, feita por militantes do movimento LGBT, foi provocada por uma questão presente na primeira fase do exame da Ordem.
No item 22 da prova, os avaliadores tratavam no masculino a protagonista da questão – uma travesti. A hipótese analisada faz referência justamente ao uso do nome social.
“Você, na condição de advogado, foi procurado por um travesti que é servidor público federal. Na verdade, ele adota o nome social de Joana, embora, no assento de nascimento, o seu nome de registro seja João”, diz a prova.
Atualmente, há o entendimento de que as travestis devam ser tratadas com o pronome social feminino. O fato fez com que a OAB enviasse pedido de retificação da prova.
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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