por Marcio Caparica(@marciocaparica
No último domingo, dia 28 de dezembro, a adolescente Leelah Alcorn morreu
atropelada por um caminhão na cidade de Union Township, em Ohio, EUA. Leelah
era uma garota transexual, lutando para conseguir iniciar sua transição para o
sexo com que se identificava. Ela caminhou aproximadamente 5 km da casa onde
morava com seus pais até a estrada I-71, onde se jogou na frente do veículo e
morreu.
Pouco tempo depois de sua morte, uma carta de suicídio foi
publicada automaticamente em seu blog. Nela, Leelah culpa diretamente seus pais
por sua morte. Consciente desde os 14 anos de que era uma garota trans, Leelah
teve seus pedidos para que sua transição tivesse início antes da puberdade negada
pelos pais. Pior ainda, foi forçada por eles a frequentar terapeutas cristãos
que só faziam aumentar sua sensação de inadequação, tentando convencê-la a
aceitar seu sexo de nascimento.
A mãe de Leelah, Carla Wood Alcorn, publicou uma mensagem em
seu perfil no Facebook no dia do suicídio em que continua a usar o nome de
nascimento da filha: “Meu doce filho de 16 anos [sic], Joshua Ryan Alcorn foi
para seu lar no céu esta manhã. Ele saiu para uma caminhada de manhã cedo e foi
atingido por um caminhão. Obrigado pelas mensagens e bondade e preocupação que
vocês mandaram para nós. Por favor continuem a nos manter em suas orações.”
Carla, ontem, declarou ao canal CNN,
“nós não apoiamos [a transição de sexo], religiosamente. Mas nós lhe dissemos
que o amávamos incondicionalmente. Nós o amávamos, não importa o que
acontecesse. As pessoas precisam saber que nós o amávamos. Ele era um garoto
bom, um menino bom.”
A resposta para isso ela já tem, vindo de outro post que Leelah deixou programado com
mensagens para os irmãos e os pais: “Mãe e pai: vão se fuder. Você não pode
controlar as outras pessoas desse jeito. Isso é errado”.
Uma petição no site
Change.org tenta fazer
com que a lápide de Leelah exiba o nome que ela havia escolhido, e não Joshua,
seu nome de nascimento. Até o momento, mais de 53 mil pessoas já deixaram sua
assinatura na campanha. Outra petição
exige que se crie uma lei nos EUA proibindo tratamentos de “cura gay”,
como os ao que Leelah foi submetida.
Uma pesquisa do
Instituto Williams de Los Angeles publicada
em 2014 estimou que 40% das pessoas transgênero já tentou cometer suicídio em
algum ponto da vida.
Leia a seguir a triste carta de suicídio de Leelah, traduzida
de seu blog.
BILHETE DE SUICÍDIO
Se
você está lendo isso, quer dizer que eu cometi suicídio e obviamente não
consegui apagar esse post da minha fila de publicação.
Por
favor não fique triste, é para o bem. A vida que eu teria vivido não valia a
pena ser vivida… porque eu sou transgênero. Eu poderia entrar nos detalhes para
explicar por que eu sinto isso, mas essa mensagem provavelmente já vai ser bem
comprida sem isso. Para dizer de forma simples, eu sinto que sou uma garota
aprisionada no corpo de um garoto, e eu sinto isso desde que tinha 4 anos. Eu
nunca soube que havia um nome para essa sensação, nem que era possível para um
garoto se tornar uma garota, então nunca contei isso para ninguém e continuei a
simplesmente fazer coisas tradicionalmente “de moleque” para tentar me
encaixar.
Quando
eu tinha 14 anos, eu aprendi o que queria dizer transgênero e chorei de
alegria. Depois de 10 anos de confusão, eu finalmente compreendi quem eu era.
Eu imediatamente contei par aminha mãe, e ela reagiu de forma extremamente
negativa, me dizendo que isso era uma fase, que eu nunca seria realmente uma
garota, que Deus não comete erros, que eu estava errada. Se vocês estiverem
lendo isso, pais, por
favor não digam isso
para seus filhos. Mesmo se você for cristão ou contra pessoas transgênero não
diga isso jamais para alguém, especialmente seu filho. Isso não vai realizar
nada além de fazê-lo odiar a si mesmo. Foi exatamente isso que aconteceu
comigo.
Minha
mãe começou a me levar para um terapeuta, mas só me levava para terapeutas
cristãos (todos eles muito preconceituosos), então eu nunca tive a terapia que
eu realmente precisava para me curar de minha depressão. Eu só tive mais
cristãos me dizendo que eu era egoísta e estava enganada e deveria buscar
ajuda em Deus.
Quando
eu fiz 16 anos eu percebi que meus pais nunca mudariam de ideia, e que eu teria
que esperar até fazer 18 anos para começar qualquer tipo de tratamento de
transição, o que partiu completamente meu coração. Quanto mais você espera,
mais difícil é fazer a transição. Eu me sentia sem esperança, sentia que eu ia
passar o resto da vida parecendo ser um homem fantasiado de mulher. No meu
aniversário de 16 anos, quando eu não recebi a permissão de meus pais para
começar a fazer transição, eu chorei até dormir.
Eu
passei a ter uma atitude de “foda-se” com relação aos meus pais e me declarei
gay na escola, achando que talvez se eu fizesse uma passagem gradual até me
declarar trans o choque seria menor. Apesar da reação dos meus aigos ter sido
positiva, meus pais ficaram putos. Eles resolveram que eu estava atacando sua
imagem, e que eu era um constrangimento para eles. Eles queriam que eu fosse
seu garotinho cristão perfeito, e obviamente isso não era o que eu queria.
Então
eles me tiraram da escola pública, esconderam meu laptop e meu celular, e me proibiram
de entrar em qualquer tipo de mídia social, me isolando completamente dos meus
amigos. Provavelmente essa foi a fase da minha vida em que eu fiquei mais
deprimida, e estou surpresa que eu não me matei. Eu fiquei completamente
sozinha por 5 meses. Nada de amigos, nada de apoio, nada de amor. Apenas a
frustração dos meus pais e a cruedade da solidão.
No
final do ano escolar, meus pais finalmente mudaram de ideia e devolveram meu
celular e permitiram que eu retornasse às mídias sociais. Eu fiquei feliz,
finalmente eu tinha meus amigos de volta. Eles ficaram extremamente felizes de
me ver e conversar comigo, mas só no começo. Depois de um tempo eles perceberam
que estavam cagando e andando para mim, e eu me senti ainda mais sozinha que
antes. Os únicos amigos que eu pensava que tinha só gostavam de mim porque me
encontravam cinco vezes por semana.
Depois
de um verão quase sem amigos além do peso de ter que pensar sobre a faculdade,
economizar dinheiro para sair de casa, manter minhas notas altas, ir para a
igreja toda semana e me sentir uma merda porque todos lá são contra tudo pelo
que eu vivo, eu decidi que já deu. Eu nunca vou conseguir fazer uma transição
bem-sucedida, mesmo quando eu sair da casa dos meus pais. Eu nunca serei feliz
com a minha aparência ou a maneira como eu vou soar. Eu nunca vou ter amigos o
suficiente para ficar satisfeita. Eu nunca vou ter amor o suficiente para ficar
satisfeita. Eu nunca vou encontrar um homem que me ame. Eu nunca vou ser feliz.
Ou eu vivo o resto da minha vida como um homem solitário que gostaria de ser
uma mulher, ou eu vivo minha vida como uma mulher ainda mais solitária que
odeia a si mesma. Não há como ganhar. Não há saída. Eu já estou triste o
bastante, eu não preciso que minha vida fique ainda pior. As pessoas dizem que
“a vida melhora” mas isso não é verdade no meu caso. A vida piora. A cada dia
ela piora.
Essencialmente,
é isso, essa é a razão porque eu quero me matar. Desculpe se essa não for uma
razão boa o suficiente para você, é boa o suficiente para mim. Quanto ao meu
testamento, eu quero que 100% das coisas que eu possuo legalmente sejam
vendidas e que o dinheiro (mais o dinheiro que eu tenho no banco) seja doado
para movimentos e grupos de apoio aos direitos civis trans, caguei para qual. A
única maneira de eu descansar em paz é se um dia pessoas transgênero não forem
tratadas como eu fui, sejam tratadas como humanos, com sentimentos válidos e
direitos humanos. Gênero precisa ser ensinado nas escolas, quanto mais cedo,
melhor. Minha morte precisa ter algum significado. Minha morte precisa ser
contabilizada nas estatísticas de pessoas transgênero que cometem suicídio
nesse ano. Eu quero que alguém veja essa estatística e pense “isso é uma merda”
e dê um jeito nisso. Dê um jeito na sociedade. Por favor.
Adeus
(Leelah) Josh Alcorn
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