Comentário realizado por Diogo Luna Moreira:
Reflexão sobre a decisão do Tribunal Europeu
de Direitos Humanos no caso Vincent Lambert
Uma vez mais o tema
eutanásia volta a provocar rumores na sociedade francesa. Desta vez o
protagonista é o enfermeiro francês Vincent Lambert, de 38 anos, que se
encontra em estado vegetativo desde 2008, em decorrência de acidente de
trânsito que lhe causou séria lesão cerebral.
Diante do estado
clínico do paciente, a esposa de Vincent, Rachel Lambert, solicitou ao Conselho
de Estado francês autorização para a suspensão do tratamento que mantinha a
sobrevida de Vincent, o que foi deferido em meados de 2014. Entretanto, os pais
de Vincent, indignados com a decisão, recorreram ao Tribunal Europeu de
Direitos Humanos impugnando a decisão do Conselho de Estado, uma vez que,
segundo os recorrentes, a mesma contrariava o disposto no art. 2 da Convenção
Europeia de Direitos Humanos que trata do direito à vida:
“O direito de qualquer
pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado
da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal,
no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei.”
No dia 05 de junho de
2015, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos decidiu manter a decisão do
Conselho de Estado francês confirmando a validade da legislação francesa que
permite a interrupção ou não submissão à alimentação
e à hidratação artificiais.
Para
melhor entender o caso, necessário tecer algumas considerações sobre alguns
dispositivos do Code de la Santé
Publique que foi alvo de ataque no caso Vincent Lambert. (Para saber
mais sugiro a leitura de: SÁ, Maria de Fátima de; MOUREIRA, Diogo Luna. Autonomia para morrer, 2ª Ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2015).
O Code
de la Santé Publique – Código de Saúde Pública francês, alterado
pela Lei sobre os Direitos dos Doentes e Moribundos – Lei Leonetti, datada de
22 de abril de 2005, destaca o direito dos pacientes se autodeterminarem diante
de situações médicas que digam respeito à sua saúde, inclusive no que tange aos
direitos no final de sua vida. Segundo consta do art. L.1110-2, o doente tem
direito ao respeito à sua dignidade: “la personne malade a droit au respect de sa dignité”.
Assegura
a lei francesa que todo paciente tem o direito de ser informado sobre sua
saúde, inclusive no que tange a medidas protetivas propostas, sua utilidade,
seu grau de urgência, suas consequências, riscos previsíveis ou graves que têm
sobre as alternativas e consequências prováveis em caso de recusa. Diante de
tais informações, a referida lei assegura ao indivíduo a liberdade para tomar
decisões sobre sua saúde. Assim, deve o médico respeitar a vontade da pessoa
depois de esta ser informada das consequências de suas escolhas.
É possível que a vontade
do paciente seja influenciada pelo médico ou outro membro da profissão médica,
sempre que a recusa ou a decisão pela descontinuidade de qualquer tratamento
implicar em risco de morte. Ainda assim, ratificada a decisão pelo paciente,
deve o médico respeitá-la, interrompendo qualquer tratamento. Em sua redação originária, previa o artigo L.1111-4 da
Lei dos Doentes, de 04 de março de 2002 que “Toute personne prend, avec le
professionnel de santé et compte tenu des informations et des préconisations
qu’il lui fournit, les décisions concernant sa santé. Le médecin doit respecter
la volonté de la personne après l’avoir informée des conséquences de son choix.
Si la volonté de la personne de refuser ou d’interrompre un traitement
met sa vie en danger, le médecin doit tout mettre en œuvre pour la convaincre
d’accepter les soins indispensables[1]”.
Com a nova
redação promovida pela Lei de 22 de abril de 2005, a parte final do mencionado
dispositivo legal foi alterado passando a constar: “Si la volonté de la
personne de refuser ou d’interrompre tout traitement met sa vie en
danger, le médecin doit tout mettre en œuvre pour la convaincre d’accepter les
soins indispensables[2]”.
A substituição de “um tratamento” para “todo tratamento”
corresponde, segundo consta do Relatório da Assembleia Nacional Francesa, a
possibilidade de interrupção não apenas de um tratamento farmacológico, mas
inclui a possibilidade de interrupção ou não submissão à alimentação e à
hidratação artificiais.
Foi com base nesta
permissibilidade legal que o Conselho de Estado francês autorizou a suspensão
da alimentação e hidratação artificiais que mantinham a sobrevida de Vincent
Lambert.
Além
disso, importante destacar que a Lei Leonetti prevê a razoabilidade na ação do
médico, com o escopo de evitar qualquer “obstination déraisonnable”, de modo
que deverá o médico pautar a sua conduta com o escopo de evitar “l’erreur par
défaut”, isto é, a inobservância das recomendações procedimentais adequadas ao
caso, bem como “l’erreur par excès”, compreendido como a submissão do paciente
a tratamentos degradantes, inúteis, desproporcionais ou sem efeito algum de
melhora do paciente, salvo para mantença artificial da sua vida. Sob este
contexto, a Lei Leonetti prevê a possibilidade de o médico suspender ou não
realizar tratamentos desproporcionais e inúteis, evitando-se, assim, o que foi
denominado de “obstination déraisonnable”.
Note-se que, não obstante, a legislação francesa
possibilite a interrupção ou a não submissão à alimentação e hidratação
artificiais (artigo L.1111-4), a eutanásia é prática proibida.
Diante do caso Vincent Lambert e de vários outros
semelhantes, como da italiana Eluana Englaro e da norte-americana Terri Schiavo,
o questionamento é sempre o mesmo: seria adequado deixar alguém morrer de fome,
mas não poderia haver uma injeção letal a conduzi-la à consequência
irremediável da não alimentação ou hidratação?
Diogo Luna Moureira
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