20/06/2015 09h20
Perfil das doenças mudou completamente nos últimos 30 anos
A médica Cláudia Burlá, especialista em geriatria com certificado de atuação na área de medicina paliativa, afirma que enfermidades que matavam precocemente saíram de uma fase aguda e se transformaram em problemas crônicos.
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Duração: 24:12
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Ela afirma que o envelhecimento da população fez com que as pessoas se vissem obrigadas a conviver com limitações e sequelas, e apresenta o dado de que menos de 10% de todas as mortes ocorrem subitamente. A maior parte delas acontece de forma lenta e progressiva.
Comentário feito pela Professora Maria de Fátima Freire de Sá:
Anexamos ao blog o áudio da
entrevista feita à Dra. Cláudia Burlá, uma das maiores especialistas em
cuidados paliativos no Brasil. Abaixo, apenas alguns comentários sobre autonomia
privada e demanda por cuidados paliativos, sob o ponto de vista do Direito. A
íntegra do texto pode ser encontrada no livro Autonomia para Morrer, 2ª edição, de Maria de Fátima Freire de Sá e
Diogo Luna Moureira (Del Rey). O assunto também é tratado no capítulo O Idoso e
sua Construção Biográfica, em Ensaios
sobre a Velhice de Taisa Maria Macena de Lima e Maria de Fátima Freire de
Sá (Arraes).
A Medicina paliativa é
tratada na atualidade como novo paradigma das Ciências Médicas que se alia à
Medicina curativa na efetivação do cuidado com o paciente. Enquanto a segunda
lida com a procedimentalização da arte médica objetivando a eliminação de
doenças, os cuidados paliativos visam promover a máxima qualidade de vida para
pacientes e familiares, seja em decorrência de diagnósticos ou tratamentos
médicos.
Segundo a Organização
Mundial de Saúde, o cuidado paliativo é entendido como:
[...] cuidado total e ativo dos pacientes cuja enfermidade não
respondea um tratamento curativo. O controle da dor de outros sintomas de
problemas psicológicos, sociais e espirituais, adquire neles uma importância
primordial. O objetivo dos cuidados paliativos é conseguir a máxima qualidade
de vida possível para os pacientes e seus familiares [...] Os cuidados
paliativos [...] afirmam a vida e contemplam a morte como um processo normal
[...] nem aceleram nem propõem a morte [...] integram os aspectos psicológico e
espiritual do cuidador [...] oferecem um sistema de suporte para ajudar os
pacientes a viver até a morte tão ativamente quanto lhe seja possível [...]
oferecem um sistema de suporte aos familiares para ajudá-los a enfrentar a
enfermidade do paciente e seu próprio luto.
Esta é uma realidade que se verifica em muitos
países, o que justifica o reconhecimento de um verdadeiro direito aos cuidados
paliativos, como o fez o Ministerio de Sanidad e Consumo (Espanha), ao criar um
plano nacional de cuidados paliativos, adotando, entre os princípios gerais, o
artigo 1º, cujo teor é:
Garantizar a los pacientes en fase
terminal los cuidados paliativos, como un derecho legal del individuo, en
cualquier lugar, circunstancia o situación, a través de las diferentes
estructuras de la red sanitaria, el apoyo psicológico y la ayuda social que
precisen sin distinción de tipo de enfermedad ni ámbito de atención.
Trata-se, como salientado
na definição da OMS, de cuidado ativo, ou seja, ainda existe muito a ser feito,
mesmo que o estado da ciência e da tecnologia não ofereça uma solução curativa.
Equipes multidisciplinares apoiarão o paciente no enfrentamento de suas dores –
o sofrimento físico, psicológico, espiritual e social.
Na verdade, o cuidado
físico sempre foi tido como o fundamental e, nessa seara, se destaca o
profissional médico, que ministra tratamentos para minimizar os sintomas da
doença, não sendo possível curá-la. Mas, o sofrimento extrapola em muito a
questão física, daí, a necessidade de acompanhamento psicológico, espiritual,
dentre outros, a partir dos valores assumidos como construção de vida boa de
cada um.
Mas os cuidados paliativos
não se restringem unicamente à pessoa do paciente, mas também àqueles que estão
a sua volta e compartilham do sofrimento, ainda que em outra dimensão. Isso
porque o estado emocional do cuidador e dos familiares pode repercutir sobre o
estado emocional do enfermo. Também porque o transtorno emocional que padece o
cuidador, enquanto o paciente se aproxima da morte ou no momento do
falecimento, pode adoecê-lo no seu processo de luto. O cuidado com o cuidador é
tão importante que a OMS, ao propor a definição de cuidados paliativos, incluiu
os cuidadores entre os merecedores dessa atenção especial. Não é demais
enfatizar que o sofrimento do luto que pode evoluir para uma enfermidade.
Embora os cuidados
paliativos se apresentem como uma possibilidade para alívio da dor no percurso
natural de um morrer com dignidade, é evidente que a sua proposição primeira
está em favorecer a efetivação da saúde do paciente.
Não se pode pensar que a
efetivação do direito à saúde estaria a pressupor uma ausência de enfermidades,
mas o convívio digno com ela, segundo práticas paliativas. Tanto é que o novo
marco paradigmático da International Classification of
Functioning, Disability and Health pressupõe a retirada da
doença do centro das especulações médico-científicas, colocando em seu lugar a
pessoa e sua saúde. A participação da pessoa na definição do conteúdo daquilo
que vem a ser definido como saúde é fundamental.
Portanto, optando a pessoa
pelos cuidados paliativos – ou mesmo na hipótese de autonomia prospectiva
apontando tal caminho –, eles devem ser realizados no paciente, assegurando-lhe
dignidade no final da vida.
Na Bélgica, tão logo
promulgada lei regulamentando a prática da eutanásia (28 de maio de 2002),
promulgou-se a lei de cuidados paliativos (14 de junho de 2002), cuja vigência
teve início em 05 de novembro de 2002. A discussão sobre os cuidados paliativos
na Bélgica se iniciaram na primeira metade dos anos 80, embora sua
regulamentação tenha ocorrido em 2002. De toda forma, a regulamentação da
eutanásia e dos cuidados paliativos na Bélgica não fomentaram entraves
contraditórios entre os defensores de ambas as técnicas, mas, pelo contrário, a
proposta sempre foi de interrelação e cooperação. Nos termos da legislação
belga, é dever do médico informar o paciente sobre seu estado de saúde e
prognóstico, bem como dialogar com ele sobre a sua petição de eutanásia, e
sobre as possíveis alternativas terapêuticas e paliativas, e suas
consequências.
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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