A Sérvia vem acolhedo os estrangeiros transgêneros que buscam cirurgias
de redesignação de sexo, principalmente transexuais masculinos: pessoas
que são fisicamente do sexo feminino, mas se identificam como homens.
Trata-se de um paradoxo em um país onde metade da população considera a
homossexualidade como uma doença.
A.T., de 38 anos, trabalha como anestesista na Itália. Antes de decidir
onde faria sua cirurgia, levou em consideração o custo da operação e a
formação das equipes de saúde sérvias, e chegou à conclusão de que o
país era um lugar adequado para mudar de sexo.
A Sérvia conta com uma medicina de alto nível, o que é essencial para
uma cirurgia de redesignação de sexo de mulher para homem, mais complexa
que a inversa.
Tradição na área
A cirurgia sérvia tem uma longa tradição neste setor. No final dos anos
1980, Savo Perovic foi pioneiro em operações de mudança de sexo, e seu
aluno Miroslav Djordjevic seguiu seus passos e assumiu essa função.
A.T., que começou sua transformação há 14 anos, optou pelo Center for
Genital Reconstructive Surgery de Belgrado, dirigido pelo professor
Djordjevic.
"Fiz muitas pesquisas e entrei em contato com muitas clínicas. Percebi
que quase todos tinham sido alunos do professor Djordjevic", afirma A.T.
Na Itália, ele poderia conseguir fazer a operação de graça mas, na sua
opinião, os cirurgiões locais carecem de experiência. Na Sérvia, pagou
15 mil euros. No Reino Unido, lhe teria custado 60 mil.
Miroslav Djordjevic assegura que os pacientes se sentem atraídos mais
pela qualidade do tratamento e não tanto pelo preço, embora reconheça
que os custos no país são entre três e quatro vezes inferior aos da
Europa Ocidental ou aos dos Estados Unidos.
Segundo o médico, só cerca de 20 centros no mundo são capazes de
realizar uma operação de mudança de sexo de mulher para homem, e sua
clínica é um deles.
"Retiramos de uma vez só os seios e os órgãos sexuais femininos", e
"concluímos com a cirurgia para criar um pênis", explica este cirurgião
de 51 anos.
Cem estrangeiros por ano
David Ralph, urologista radicado em Londres, é especialista em
construção peniana. Ele opina que os especialistas sérvios são "bons
cirurgiões", que "realizam uma boa faloplastia".
Ralph prefere realizar várias operações pequenas, em vez de fazer tudo
de uma vez só, para evitar complicações. Isto é o que explica, segundo
ele, a diferença de preço em relação à Sérvia.
A cada ano, uma centena de estrangeiros são operados na Sérvia para
mudar de sexo. Eles vêm do Japão, Brasil, África do Sul, Austrália e
Estados Unidos, entre outros. Cerca de 20 deles são procedentes da
antiga Iugoslávia, e a maioria (85%) são pessoas que nasceram mulheres.
Antes da cirurgia, o paciente passa por um longo processo, que reduz o
risco de arrependimento, com avaliações psiquiátricas, tratamento
hormonal e análise minuciosa de documentos, no caso dos estrangeiros.
Assédio
Fora das clínicas, os transexuais sofrem muita discriminação na Sérvia,
um país conservador e patriarcal de sete milhões de habitantes.
"Desde a infância, os transexuais sofrem uma violência enorme, assédio,
rejeição, com consequências em termos de escolarização, educação e
trabalho", declara Milan Djuric, da associação Gayten-LGBT.
Em 2012, o governo passou a reembolsar dois terços da operação, mas
isso "não resolve uma série de outros problemas preocupantes",
acrescenta.
O país não contabiliza separadamente as agressões de carácter
homofóbico nem as cometidas contra os transexuais e transgêneros.
Tampouco dispõe de um procedimento legal de reconhecimento das pessoas
que mudaram de sexo.
Segundo um estudo da ONU de 2013 sobre discriminação, 49% dos sérvios
acreditam que a homossexualidade é uma doença e, segundo Milan Djuric,
os transexuais são ainda mais rejeitados.
As associações LGBT pedem a adoção de uma lei que facilite a vida dos
transexuais, principalmente para a mudança do documento de identidade e
do estado civil.
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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