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quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

'Diferente do que dizem, aborto não foi descriminalizado', diz autora de ações no Supremo




'Diferente do que dizem, aborto não foi descriminalizado', diz autora de ações no Supremo

  • 6 dezembro 2016
Debora DinizDireito de imagemCICERO BEZERRA
Image captionPara Debora Diniz, decisão recente do STF aponta que a criminalização do aborto pelo Código Penal está errada segundo a própria Constituição
Às vésperas da discussão sobre a descriminalização ou não do aborto por mães contaminadas pelo vírus Zika, marcada para esta quarta-feira, pelo menos três ministros do Supremo Tribunal Federal deram pistas de que a proibição, atualmente prevista no Código Penal, desrespeitaria a Constituição.
Mas, diferentemente do que apontaram muitas notícias na última semana, isso não significa que há prática tenha deixado de ser crime.
É esta a avaliação da antropóloga Debora Diniz, do instituto de bioética Anis, que levou à Suprema Corte, no início deste ano, a discussão sobre direitos de mulheres contaminadas pelo zika - incluindo a possibilidade de aborto.
O grupo tem experiência no tema: há 12 anos, a equipe de Diniz também levou ao STF um pedido de reavaliação da interrupção de gestações de fetos anencéfalos (com ausência parcial ou total do cérebro). A descriminalização neste caso foi aceita pelos ministros em 2012 - o "sim" ganhou por 8 votos contra 2.
Atualmente, a legislação brasileira só permite que uma gravidez seja interrompida, além do caso acima, em situações de estupro e risco de vida da mulher.
Mas na última terça-feira (29), a primeira turma do Supremo surpreendeu ao suspender a prisão preventiva de cinco funcionários de uma clínica clandestina de Duque de Caxias (RJ) e declarar que a prática, se realizada até os três primeiros meses da gestação, não é crime.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, que pediu para avaliar o caso a fundo, os artigos do Código Penal que proíbem o aborto até os três meses ferem direitos garantidos pela Constituição.
Ele enumera: "os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria".
O ministro também argumenta que a proibição afeta principalmente as mulheres mais pobres, "que não têm acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento abortivo".
Diniz lembra que justamente as mulheres mais pobres continuam sendo as mais vulneráveis nesta discussão - cujos efeitos passariam longe da periferia.
"Uma mulher que quiser interromper a gestação pode pedir à Justiça e um juiz pode vir a deferir o pedido dela, dizendo que o Supremo já se pronunciou. (...) Mas as mulheres que correm risco durante o aborto no Brasil não são mulheres com acesso à Justiça. Mulheres pobres não têm acesso à Justiça, não conseguem constituir um defensor, um advogado."
Como se trata de um entendimento que pode ser seguido por instâncias menores e, para muitos, sinaliza que a mais alta corte caminha para uma futura descriminalização do aborto, a Câmara dos Deputados decidiu reagir.
Na mesma noite da decisão do STF, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa, avisou ao plenário que vai criar uma comissão com 34 titulares e igual número de suplentes para se posicionar sobre o tema.
Segundo especialistas, os deputados não têm poder para rever decisões do Supremo. O que eles podem, sim, fazer, é alterar leis ou a Constituição para mudar as bases usadas pelo STF para justificar suas decisões.
Leia os principais trechos da entrevista com Debora Diniz:
Sala de cirurgiaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAtualmente, legislação brasileira só permite interromper gravidez em situações de estupro, risco de vida da mulher e fetos anencefálicos
BBC Brasil - Como avalia a decisão do STF na semana passada sobre o aborto até os três meses de gestação?
Debora Diniz - A corte avaliava a prisão preventiva de funcionários de uma clínica de aborto, mas havia uma pergunta de fundo: o que eles fizeram deveria ou não ser crime? Ela respondeu que a Constituição garante o direito à saúde, à segurança, à integridade física e emocional, à autonomia. E que, portanto, a criminalização do aborto pelo Código Penal está errada segundo a própria Constituição.
É uma interpretação correta, é o que se espera de uma Suprema Corte. O trabalho deles é interpretar tudo o que chega ao Supremo à luz da Constituição. E o Código Penal está abaixo da Constituição.
As cinco pessoas que apareciam nesse pedido de habeas corpus estavam sendo acusadas por crime de aborto. A primeira pergunta do habeas corpus era: é preciso mantê-las em prisão preventiva? Os ministros respondem: 'Não, elas não ameaçam a sociedade'. Mas vão além: eles mostram que, lendo a Constituição e o que ela manda, em defesa da autonomia, do direito a saúde, à segurança, o aborto não pode ser crime.
BBC Brasil - Você esperava uma posição tão contundente?
Debora Diniz - Os debates dos últimos anos mostram que esta corte vem sendo preparada na última década para entender que o aborto é uma questão urgente de saúde publica. Mas este é um caso específico. O aborto não foi oficialmente descriminalizado no Brasil, como muitos estão dizendo. Tratou-se de um caso de Duque de Caxias, relativo àquela clínica, em que se discutia a punição ou não de médicos e profissionais.
Mas este voto avançou e se disse: temos que conversar sobre o que está por trás deste pedido. De um lado, há uma dificuldade natural de entender o que aconteceu, porque o debate jurídico traz barreiras muito grandes. Mas, de outro, há má-fé de quem entende o que é o debate jurídico e transforma a decisão em um escândalo.
BBC Brasil - Mas o caso pode embasar as decisões de juízes daqui para frente, não?
Debora Diniz - Uma mulher que quiser interromper a gestação pode pedir à Justiça e um juiz pode vir a deferir o pedido dela, dizendo que o Supremo já se pronunciou.
Mas as mulheres que correm risco durante o aborto no Brasil não são mulheres com acesso à Justiça. Ainda há muita incerteza para as mulheres migrarem da clandestinidade para as cortes. Não se pode acreditar que agora haverá uma enxurrada enorme de pedidos.
Mulheres pobres não têm acesso à Justiça, não conseguem constituir um defensor, um advogado. O tempo de gestação também é curto e um processo como este pode durar mais de 9 meses.
É muito mais um momento da Suprema Corte encorpando o debate no Brasil; ainda há muitas barreiras ao aborto no país. Então, vamos com calma. O voto é muito coerente. No entanto, ao contrário do que dizem, não houve descriminalização.
Rodrigo MaiaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEm reação ao Supremo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, convocou comissão parlamentar para discutir o tema
BBC Brasil - E o que esperar da comissão formada na Câmara dos Deputados para avaliar o tema?
Debora Diniz - Esta é a forma padrão com que eles (boa parte dos deputados) vêm enfrentando o aborto pelo menos na última década. Então, esta não é uma reação à decisão do Supremo, porque não há nada de novo. É assim que os deputados se comportam pelo menos nos últimos dez anos.
Agora, o que efetivamente eles podem fazer em relação à decisão do Supremo? Nada. Mas eles podem, sim, tentar criminalizar ainda mais o aborto.
BBC Brasil - Como?
Debora Diniz - Com projetos como o estatuto do nascituro, a ampliação das penas às mulheres que praticarem o aborto ou a revogação das leis que permitem exceções, como em casos de estupro ou risco à gestante.
BBC Brasil - Muitos argumentam que o Supremo Tribunal Federal estaria, com decisões como esta, legislando (criando/alterando leis), que é atribuição do Congresso. Como avalia?
Debora Diniz - Não está. O STF está fazendo uma interpretação constitucional porque este é o dever dele. Eles estavam interpretando o que estava acontecendo naquele caso de Duque de Caxias, à luz da Constituição.
BBC Brasil - E qual é a expectativa, a partir de todo este cenário, para a discussão prevista para esta quarta sobre casos de zika?
Debora Diniz - A ação que levamos ao STF diz o seguinte: uma mulher está com zika e está grávida. Seu feto pode ou não ter microcefalia. Ela está em sofrimento mental por não saber o futuro do feto. Exatamente como acontece no estupro.
Então a ação defende a possibilidade de interrupção porque a mulher está em sofrimento psicológico provocado pela epidemia, que por sua vez é responsabilidade do Estado, que não conseguiu contê-la.
O que a gente pode esperar? Bom, a corte teve acesso a muita informação sobre a gravidade da epidemia de zika no Brasil. Há centenas de histórias de mulheres.
É importante que fique claro: esta não é uma ação sobre aborto, é sobre direitos fundamentais amplos, que inclui políticas públicas de direitos sexuais e reprodutivos para mulheres (como contraceptivos, pré-natal frequente e aborto) e garantias para a inclusão social de crianças após o parto.








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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito

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