Mãe deu à luz após quase quatro meses em morte cerebral
Caso ocorrido no Hospital de S. José "é muito raro" e representa o período mais longo alguma vez registado em Portugal de sobrevivência de um feto em que a mãe está em morte cerebral.
Uma mulher grávida, cuja morte cerebral foi declarada a 20 de Fevereiro, deu esta terça-feira à luz um bebé, informou em comunicado o Centro Hospitalar de Lisboa Central. O nascimento teve lugar no Hospital de S. José. O caso "é muito raro" e representa o período mais longo alguma vez registado em Portugal – 15 semanas – de sobrevivência de um feto em que a mãe está em morte cerebral.
As equipas de Obstetrícia e da Unidade de Neurocríticos do Centro Hospitalar de Lisboa Central (onde o S. José está integrado) procederam, esta tarde, a uma cesariana programada, com o objectivo de fazer nascer a criança, cujas últimas semanas de gestação ocorreram com a mãe em estado de morte cerebral.
O bebé, um rapaz, nasceu com 2,350 kg, após uma gestação de 32 semanas (cerca de oito meses), sem complicações durante e após o acto cirúrgico, tendo ficado na unidade de cuidados intensivos neonatais, segundo o hospital.
A morte cerebral da mãe, de 37 anos, na sequência de uma hemorragia intracerebral, foi declarada no dia 20 de Fevereiro, pelas 23h43. Perante a gravidez em curso, a mulher foi avaliada por especialistas de obstetrícia, que consideraram que o feto se encontrava em aparente boa condição de saúde. "Após parecer da comissão de ética e direcção clínica daquele centro hospitalar, e numa decisão concertada com a família da mãe e a família paterna da criança, foi acordada a manutenção da gravidez até às 32 semanas, de modo a garantir a viabilidade do feto."
Para acompanhar este caso, o conselho de administração nomeou um conselho científico, composto por um representante da Ordem dos Médicos (OM), um representante da comissão de ética, um obstetra e a equipa de intensivistas.
Referindo-se às 15 semanas de sobrevivência do feto com a mãe em morte cerebral, o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Getal, Luís Graça, afirma que este “é um recorde”. “É espantoso. É raríssimo em Portugal e no mundo.” Obstetra há mais de 40 anos, afirma que teve conhecimento de apenas dois casos em Portugal com os mesmos contornos, mas em que a mulher foi mantida viva apenas durante duas a três semanas. O último de que teve conhecimento aconteceu por volta de 2009.
“Tiveram a coragem e a sorte que [a grávida] se aguentasse este tempo todo. A maior parte das mulheres morre. É delicado manter a vida da grávida por meios mecânicos e simultaneamente que o feto se vá desenvolvendo.” O limite da viabilidade de um feto são as 24 semanas e este bebé nasce às 32 semanas, com um peso que está cima dos cerca de dois quilos que costuma ser a média para este tempo de gestação. “É um feto com um bom grau de desenvolvimento.”
Nestes casos, o médico acredita que “a decisão da família deve ser soberana” e que esta oportunidade lhe deve ser apresentada pela equipa médica.
O presidente do Conselho Nacional de Ética da Ordem dos Médicos, o neuropediatra Miguel Leão, confirma que casos como este “são raríssimos” e que, em seis anos que leva neste cargo, esta é a primeira vez que o conselho de ética se pronunciou. O médico afirma que o conselho de administração do Hospital de S. José convidou o conselho de ética a tomar posição e que o parecer não foi consensual, não revelando o seu sentido.
Na sua vida profissional diz ter conhecido apenas um caso semelhante, no Hospital de S. João, no Porto. Pronunciando-se, a título pessoal, sobre casos desta natureza afirma que “numa situação em que há uma pessoa em morte cerebral e há um feto vivo, o critério ético da decisão deve ser o da viabilidade fetal”, tendo em conta factores que incluem desde o tempo de gestação à doença da mãe. Miguel Leão diz que “o conselho de administração do Hospital de S. José agiu bem" e que por isso "está de parabéns pela abordagem ética, que envolveu a OM e o conselho de ética".
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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