6 maio 2012
À espera de sanção
Constitucionalidade de banco de DNA gera discussão
Nos Estados Unidos,
existe uma organização não governamental especializada em pleitear
indenizações para pessoas inocentes que foram condenadas criminalmente. É
o The Innocence Project, que tenta provar a inocência dos encarcerados
por meio de testes de DNA. Desde 1992, 290 pessoas foram postas em
liberdade. Os testes de autoria do crime por meio de amostras de sangue,
sêmen, unhas, fios de cabelo e pele estão prestes a virar uma realidade
também no Brasil. Na quarta-feira (4/5), o Plenário da Câmara dos
Deputados aprovou a proposta de criação de um banco nacional de DNA para
auxiliar nas investigações de crimes violentos. A ideia ainda precisa
receber o "sim" da presidente Dilma Rousseff, mas já vem despertando
dúvidas quanto à sua constitucionalidade, principalmente em relação à
coleta obrigatória do material.
A novidade consta do Projeto de Lei 2.458, de 2011. Pela proposta, os dados do banco de DNA serão sigilosos e as pessoas que os utilizarem para qualquer fim diferente daquele determinado pela Justiça responderão civil, penal e administrativamente. Os perfis genéticos seguirão normas internacionais de direitos humanos.
Segundo a proposta, a identificação mediante extração do ácido desoxirribonucleico, o DNA, será exigida obrigatoriamente dos condenados por crimes praticados, dolosamente, com violência de natureza grave ou qualquer outro crime previsto no artigo 1º da Lei 8.072, de 1990, a Lei dos Crimes Hediondos.
No entanto, para o presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (Abdconst), Flávio Pansieri, ninguém é obrigado a ceder seu próprio material genético, mesmo com decisão judicial, porque ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
De acordo com o autor da proposta, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), o projeto só coloca nos termos de lei o que já existe, o Sistema de Indexação de DNA Combinado (Codis, na sigla em inglês), que é o mesmo empregado nos Estados Unidos e em outros 30 países. De acordo com o projeto, “as informações genéticas contidas nos bancos de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos”.
O criminalista Mauro Otávio Nacif nega a inconstitucionalidade e busca amparo na própria lei, mais especificamente no artigo 60 da Lei de Contravenções Penais. De acordo com o dispositivo, é contravenção punível com multa quem “recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência”.
Para ele, “a identificação da pessoa faz parte da segurança pública. Há uma confusão entre o interesse particular com o interesse público. É um direito do Estado a identificação da pessoa”. E acrescenta: “O banco de dados se insere na mesma esfera da impressão digital e interessa não só ao culpado, mas também ao inocente”.
O promotor de Justiça André Luís Alves de Melo, de Minas Gerais, lembra que “a medida existe em outros países e não se trata de discriminação, mas apenas de um dado que poderá até mesmo evitar que alguém seja condenado sem provas, ou seja, reduzirá a possibilidade de erro judiciário”. Ele também não concorda que a medida seja inconstitucional.
“O banco de dados terá como objetivo proteger a sociedade de criminosos perigosos. Menos de 0,1% da população brasileira é de criminosos perigosos. Logo, dentro da razoabilidade, precisamos proteger os 99,9% e evitar que sejam revitimizados”, diz.
Thiago Gomes Anastácio, criminalista associado ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), diz que o cerne da discussão está polarizado de modo equivocado. "Não se trata do choque entre o direito de punir e do direito de não culpabilidade. Se assim fosse, não haveria discussão. O que se tem em mente é o mapeamento daqueles condenados em definitivo, já no sistema penitenciário, culpados por crime violentos", explica. "Ou seja, não serviriam para o processo que levou o cidadão à pena de prisão, mas para eventual elucidação em caso de reincidência. Não se poderia falar em produção de provas contra si, antes do futuro fato criminoso acontecer.”
Ele diz ficar preocupado com “desvirtuamentos” do projeto, “ou seja, de que visa a obter dados para buscar culpados e obrigar — o projeto não é claro nesse sentido — o acusado ou investigado a ceder material genético, enquanto devemos é colher dados para diminuir a imapeável incidência de erros judiciários. Parecem a mesma coisa, mas não são”.
O advogado afirma que a Justiça precisa lançar mão de meios mais modernos para apreciar casos de crimes. “Não podemos, em pleno século XXI, produzir provas como fazíamos no século XVIII, principalmente quando nos distanciamos das ciências auxiliares como a Psicologia, Psiquiatria e Física para a análise dos testemunhos, e nos aproximamos, graças à velocidade das coisas, do achismo", alerta. "Basta de processos com testemunhas oferecendo três versões distintas sobre um mesmo fato, das quais uma é pinçada para fundamentar a impressão do julgador. O processo penal deve ser utilizado pela Justiça, não para a segurança pública."
A novidade consta do Projeto de Lei 2.458, de 2011. Pela proposta, os dados do banco de DNA serão sigilosos e as pessoas que os utilizarem para qualquer fim diferente daquele determinado pela Justiça responderão civil, penal e administrativamente. Os perfis genéticos seguirão normas internacionais de direitos humanos.
Segundo a proposta, a identificação mediante extração do ácido desoxirribonucleico, o DNA, será exigida obrigatoriamente dos condenados por crimes praticados, dolosamente, com violência de natureza grave ou qualquer outro crime previsto no artigo 1º da Lei 8.072, de 1990, a Lei dos Crimes Hediondos.
No entanto, para o presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (Abdconst), Flávio Pansieri, ninguém é obrigado a ceder seu próprio material genético, mesmo com decisão judicial, porque ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
De acordo com o autor da proposta, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), o projeto só coloca nos termos de lei o que já existe, o Sistema de Indexação de DNA Combinado (Codis, na sigla em inglês), que é o mesmo empregado nos Estados Unidos e em outros 30 países. De acordo com o projeto, “as informações genéticas contidas nos bancos de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos”.
O criminalista Mauro Otávio Nacif nega a inconstitucionalidade e busca amparo na própria lei, mais especificamente no artigo 60 da Lei de Contravenções Penais. De acordo com o dispositivo, é contravenção punível com multa quem “recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência”.
Para ele, “a identificação da pessoa faz parte da segurança pública. Há uma confusão entre o interesse particular com o interesse público. É um direito do Estado a identificação da pessoa”. E acrescenta: “O banco de dados se insere na mesma esfera da impressão digital e interessa não só ao culpado, mas também ao inocente”.
O promotor de Justiça André Luís Alves de Melo, de Minas Gerais, lembra que “a medida existe em outros países e não se trata de discriminação, mas apenas de um dado que poderá até mesmo evitar que alguém seja condenado sem provas, ou seja, reduzirá a possibilidade de erro judiciário”. Ele também não concorda que a medida seja inconstitucional.
“O banco de dados terá como objetivo proteger a sociedade de criminosos perigosos. Menos de 0,1% da população brasileira é de criminosos perigosos. Logo, dentro da razoabilidade, precisamos proteger os 99,9% e evitar que sejam revitimizados”, diz.
Thiago Gomes Anastácio, criminalista associado ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), diz que o cerne da discussão está polarizado de modo equivocado. "Não se trata do choque entre o direito de punir e do direito de não culpabilidade. Se assim fosse, não haveria discussão. O que se tem em mente é o mapeamento daqueles condenados em definitivo, já no sistema penitenciário, culpados por crime violentos", explica. "Ou seja, não serviriam para o processo que levou o cidadão à pena de prisão, mas para eventual elucidação em caso de reincidência. Não se poderia falar em produção de provas contra si, antes do futuro fato criminoso acontecer.”
Ele diz ficar preocupado com “desvirtuamentos” do projeto, “ou seja, de que visa a obter dados para buscar culpados e obrigar — o projeto não é claro nesse sentido — o acusado ou investigado a ceder material genético, enquanto devemos é colher dados para diminuir a imapeável incidência de erros judiciários. Parecem a mesma coisa, mas não são”.
O advogado afirma que a Justiça precisa lançar mão de meios mais modernos para apreciar casos de crimes. “Não podemos, em pleno século XXI, produzir provas como fazíamos no século XVIII, principalmente quando nos distanciamos das ciências auxiliares como a Psicologia, Psiquiatria e Física para a análise dos testemunhos, e nos aproximamos, graças à velocidade das coisas, do achismo", alerta. "Basta de processos com testemunhas oferecendo três versões distintas sobre um mesmo fato, das quais uma é pinçada para fundamentar a impressão do julgador. O processo penal deve ser utilizado pela Justiça, não para a segurança pública."
Marília
Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 6 de
maio de 2012
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CEBID - Centro de Estudos em Biodireito
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