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domingo, 15 de maio de 2011

Diagnóstico preciso para estado vegetativo e consciência mínima no coma



Paloma Oliveto - Correio Braziliense
Publicação: 15/05/2011 11:50Atualização: 15/05/2011 11:56

Jacqueline Houben não aceitou o desengano do filho Ron, buscou ajuda e desafiou a ciência (Belgium Health Society/Reuters)
Jacqueline Houben não aceitou o desengano do filho Ron, buscou ajuda e desafiou a ciência
Durante 23 anos, a mente do belga Rom Houben ficou aprisionada em um corpo inerte. Na década de 1980, ele sofreu um acidente de carro e entrou em coma. Os meses se passaram e Ron não despertava. Embora a mãe, Jacqueline Nicolaes, insistisse que o filho se comunicava com ela pelo olhar, os médicos deram a última palavra sobre o caso: Ron encontrava-se em estado vegetativo, caracterizado pela incapacidade de raciocinar. Mesmo que mexam os olhos e pareçam reagir a estímulos, pacientes nessa condição apenas respondem a reflexos e não têm consciência de si e dos outros. O que os mantém clinicamente vivos é uma sonda que introduz alimentos no organismo, já que eles não podem mastigar nem engolir. Muitas vezes, são necessários mais equipamentos, como respiradores.

Fina Houben não aceitou o desengano e desafiou a ciência. Um dos diversos médicos que procurou, Steven Laureys, do Grupo Científico Belga sobre o Coma, da Universidade de Liège, resolveu dar crédito à história. Estudou o caso e descobriu que, na verdade, o paciente, hoje com 48 anos, esteve consciente durante as mais de duas décadas em que foi tido como vegetativo. Com um teclado especial, Ron afirmou que sabia de tudo o que se passava a seu redor, mas simplesmente não conseguia se comunicar. Com a ajuda do computador, ele deu até entrevistas e está escrevendo um livro sobre sua história. Há dois anos, quando o caso foi revelado em um artigo científico, ele afirmou à revista alemã Der Spiegel: “Eu gritei, mas não havia ninguém para ouvir. O tempo todo, eu sonhava, literalmente, com uma vida melhor”.

Casos como o dele são raríssimos. Porém, não é incomum que pacientes diagnosticados como vegetativos tenham um grau mínimo de consciência e possam despertar. Um estudo de Steven Laureys revelou que nada menos que quatro entre 10 diagnósticos de estado vegetativo estavam errados. Agora, o pesquisador e a neurologista Melanie Boly, que também integra a equipe do grupo de estudos da Universidade de Liège, divulgaram uma nova pesquisa, publicada na revista Science, na qual propõem uma metodologia para diferenciar o estado vegetativo daquele de mínima consciência.

Apesar de nem todos que se encontram na segunda condição poderem, como Rom, voltar a se comunicar e a raciocinar plenamente, o estudo é importante porque vai ajudar os médicos a ajustar as doses dos medicamentos para dor, além de oferecer esperanças às famílias. Se o paciente não conseguir sair da cama, ao menos os parentes e amigos saberão que suas palavras e gestos são entendidos. Mas existe uma aplicação ainda mais importante. Em países onde a eutanásia é permitida ou nos casos de autorizações judiciais, as máquinas que mantêm os pacientes tidos como vegetativos podem ser desligadas. “Em casos extremos, isso pode acontecer. O que ressalta a importância da utilização de ferramentas confiáveis para o diagnóstico, e se trabalhar conjuntamente os estudos clínicos e as neuroimagens”, diz Boly ao Correio.

Resposta cerebral
A equipe de pesquisadores, da qual também faz parte Marta Isabel Garrido, do Centro de Neuroimagem Wellcome Trust, da University College London, mediu a resposta elétrica do cérebro a estímulos auditivos por meio de eletroencefalogramas. Participaram do estudo 22 indivíduos saudáveis e 21 com graves danos cerebrais. Desses, oito encontravam-se em estado vegetativo e 13 em estado de mínima consciência — nessa condição, os pacientes realizam movimentos deliberados, como piscar os olhos se alguém pedir para que façam isso, e respondem à dor.

Estudos anteriores mostraram que a resposta elétrica cerebral muda quando se modifica a frequência de um determinado som, mas que isso não ocorre quando uma pessoa está anestesiada, sugerindo que o estímulo pode ser um indicativo de consciência. Os voluntários saudáveis e os pacientes foram expostos a séries de tonalidades simples. A resposta elétrica do cérebro de pessoas vegetativas praticamente foi nula.

Graças a um modelo matemático desenvolvido na University College London, os cientistas descobriram que as tonalidades estimulam a atividade em partes do córtex temporal especializadas no processamento sonoro. Nos indivíduos saudáveis e em estado de consciência mínima, os córtex frontal e parietal mandam sinais para o córtex temporal. Nas pessoas em estado vegetativo, isso não ocorre. “Os métodos de diagnóstico atuais baseiam-se em medidas comportamentais, sendo que um paciente em estado de consciência mínima apresenta alguns comportamentos que requerem cognição, enquanto que um paciente em estado vegetativo apresenta apenas reflexos”, explica ao Correio Marta Isabel.

“Os nossos resultados, por sua vez, indicam que, no estado vegetativo, existe uma interrupção na conexão cerebral que liga o córtex frontal ao temporal. Essa mesma conexão encontra-se intacta em pessoas saudáveis e em pacientes em estado de consciência mínima. Esse resultado poderá revolucionar completamente o diagnóstico e o prognóstico clínico atual, uma vez que se baseia em uma medição biológica objetiva: a interrupção de uma conexão cerebral específica”, diz. Além disso, a tecnologia, segundo a pesquisadora, é relativamente simples e barata.

Uso só no futuro


De acordo com Marta Isabel, o método ainda não tem aplicação imediata, mas é promissor. “Serão necessários mais estudos para o aperfeiçoamento, bem como a validação dos resultados em amostras com mais pacientes”, afirma. Além da diferenciação entre o estado vegetativo e o de mínima consciência, a metodologia poderá ser útil para outras condições relacionadas à consciência. “Estudos sobre anestesia, sono ou epilepsia podem usar a técnica para verificar se há distúrbios no funcionamento dessas conexões cerebrais”, complementa Melanie Boly.

“No futuro, planejamos complementar os resultados desse estudo. Isso permitiria estabelecer se há ligação entre consciência e mecanismos cerebrais que encontramos no coma. Compreender os mecanismos por trás dessas condições significa contribuir para a melhoria dos métodos de diagnóstico. Isso é um passo fundamental para um tratamento mais adequado e eficaz”, defende Marta Isabel.

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